O desespero tomou conta de mim

Um dia o Desespero se tornou meu companheiro insubstituível; mudou seus hábitos e veio morar em mim. Não me disse ao menos um motivo, com brutalidade carregou suas bagagens e se instalou aqui dentro. Fiquei imóvel e um suor histérico percorreu por entre os dedos e foi embora.

Pensei e repensei, refletia incessante sobre o que fazer. Inicialmente pedi com educação para que saísse e parasse de tomar meu espaço, mas como previsto, foi em vão. Em outro momento decidi despejá-lo e pô-lo na cadeia por ter me invadido, mas não funcionou. Estava claro que ele era cruel e não se incomodava em me incomodar.

Em pouco tempo todos já haviam percebido que eu não morava mais sozinha, e me plantaram cinco mil perguntas. Não tinha resposta pra nenhuma delas e temia mais a cada dia por não encontrá-las. Respondia com um silêncio irônico e cheguei até a desprezar os que riam de mim ou me desejavam mal. Eram tanques sortidos de maldades e bruxarias.

As luas foram passando e o fogo se alastrava por entre órgãos e sangue. Me disseram que talvez eu pudesse encontrar outra moradia para o Desespero, portanto passei a fazer visitas a amigos distantes e a todos apresentava o meu hóspede. Mas ninguém afirmou que gostaria de ficar com ele e comecei a desistir.

Calculava erroneamente datas para uma suposta fuga, pois estava decidida em me mudar caso ele permanecesse; mas não foi fácil, ele me desencorajava dizendo que me seguiria para onde quer que eu fosse. Uma coisa era certa, esse foi o sentimento mais sincero que já abrigou meu interior.

As calçadas caminhavam em mim em ruas desertas; tão possível era eu enlouquecer ali. Avistava faces feitas de chumbo e corações que apodreciam na naturalidade de ser humano. Desprendiam de casas e carros pedaços concretos de egoísmo e lama; por que alguém gostaria de viver aqui? Me perguntava nos intervalos dos desmaios inconscientes.

Na árvore alta do fim da rua havia um pássaro, digo isso pois foi a única coisa bela que encontrei em minha caminhada, ele parecia me olhar, sorria e cantava. Quando eu me aproximei, ele sumiu. Feito as outras pessoas com quem quis conversar. Ele pousou confuso na plataforma externa e me convidou para sentar, revivi momentos da minha infância enquanto contava os carros lá de baixo.

Conclui que não podia deixar a ave escapar e conforme ele andava, eu o acompanhava. De repente ele se fez azul, mergulhou profundo, tão alto e tão baixo num segundo. Como combinado fiz o mesmo sem olhar, emudeci, abri os braços e quebrei barreiras de ar por cerca de cinco metros. Quando cheguei ao solo percebi que o Desespero não teve coragem para surtar e ficou onde estava. Não estava triste, nem feliz apenas falei baixinho: “Tão infiéis foram aqueles que dominaram minha alma e consumiram meu corpo.”

Mayara Cristina Pereira, 18 de fevereiro de 2011.

LuaNegra
Enviado por LuaNegra em 28/08/2011
Código do texto: T3187923
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