Na Longa Caminhada da Vida

Antes de tudo quero deixar claro que o texto faz referência aos atos de Intolerância religiosa, apesar de tratar um assunto em específico, quero que vocês entendam que existem muitas formas de intolerância, ainda, praticadas em igrejas.

Deus esteja com vocês todos que sofrem ou já sofreram em algum momento.

“Se um dia tiver que escolher entre o mundo e o amor... Lembre-se: Se escolher o mundo ficará sem o amor, mas se escolher o amor com ele você conquistará o mundo”

Edson Braga terminou o discurso daquela tarde citando uma frase de Albert Einstein. Edson é um dos garotos mais sábios na arte de palestrar, de agir e de tratar as pessoas. Realmente acredito que Deus dá dons a todos, e a sabedoria é o dom desse garoto. No púlpito de uma assembléia com cerca de trezentas pessoas, um jovem citar a frase de um cientista, ou é doido ou não tem medo de mostrar aquilo que todos precisam ouvir. Esse é o meu Edson!

Sim, sou do tipo tímido, do tipo romântico e do tipo apaixonado. Apaixonado por ele, desde que nossos olhos se cruzaram pela primeira vez. Não tenho mais o medo de assumir isso a mim escancaradamente, percebi que não posso combater os sentimentos mais fortes que existem na minha essência. Para mim, não guardo aspas, mas para a minha família e amigos, todos da mesma comunidade evangélica, guardo todas as aspas com o maior zelo possível. Inclusive de Edson. Ele tem uma namorada. Não sei o que ela vê em mim, mas deve ser ódio puro, desde que me sentei no banco do salão sacramental ela não desviou seu olhar medíocre de mim por um minuto.

Minha tagarelice mental foi abafada pelo som das palmas enquanto meu amado descia as escadas do púlpito e se dirigia ao seu aposento ao lado dos líderes da igreja. Quase ia me esquecendo que Edson Braga não é só mais um na vasta lista de personagens da assembléia, ele é um líder com apenas vinte anos! Isso sim é que é orgulho!

A reunião ia chegando ao fim, eu me levantava junto da minha família para irmos para reuniões centrais da igreja no centro de São Paulo. Senti um zéfiro me atingir quando Edson parou à minha frente com um sorriso enternecedor.

“E aí, o que achou Gabriel?” Ele perguntou com um brilho no olhar que transbordava meu coração de alegria. O frisson era rotina sempre que o sentia potente próximo a mim.

“Foi bom, mas, teria sido maravilhoso se eu tivesse feito!” Brinquei. Precisava sempre quebrar aquele clima que eu sempre pensei que fosse me denunciar qualquer dia.

Tão subitamente o senti me abraçando. Fiquei atônito e comovido. Sentir o corpo quente e agradável da pessoa que eu mais desejava na vida era uma sensação terna e eletrizante. Por mim não desgrudaria nunca! Pude ver por detrás do ombro de Edson, Vitória, sua namorada me fitar como se eu estivesse cometendo um pecado, e dos mais graves. Ela teme que eu roube o futuro esposo dela, eu tenho certeza. Insegura, mas linda!

Para ser bem sincero, Edson e eu nos víamos todos os dias, porém, pouco. Estudava pela manhã e ele à noite. Trabalhava à tarde e ele em período integral. A melhor parte dessa história desse meu amor não correspondido pelo meu amigo é que nos víamos, praticamente, todos os dias da semana depois que ele chegava da faculdade. Ficávamos por volta de trinta minutos conversando em frente a casa dele ou de frente à minha, no quarto dele ou no meu. Moramos de frente um para o outro! Trinta minutos não é quase nada, por isso considero o fato de nos virmos pouco.

Numa quarta feira havíamos marcado de estudar uma palestra que ele apresentaria na reunião central para cerca de duas mil pessoas. Com aquela felicidade transparente na alma peguei minha mochila, desci as escadas de casa e atravessei a rua. Apertei a campainha e vi um rapaz lindo, de olhos castanhos esverdeados, pele morena clara e lisa feito pêssego vir ao meu encontro. Edson! Mal sabia a ansiedade que me fazia sentir toda vez que o via.

Ficamos por horas passando e repassando todo o material que seria usado para a apresentação. Cansados, só vimos uma opção: dormir. Joguei meu belo corpo moreno claro naquela cama confortável e relaxei. O senti se debruçar sobre o meu peito, bagunçar meus cabelos negros, finos e espetados. Meu coração acelerou, porém, relaxei e adormeci.

Um homem apaixonado é capaz de fazer muitas coisas. Perde a lucidez, perde o bom senso e, às vezes, o amor próprio, se entregando fervorosamente a um sentimento que nem sempre é recíproco. A semana ia passando e meu coração apertando, com um medo eminente e com uma falsa esperança. Que apenas eu posso ser o culpado por ela.

Tomei o celular às mãos e digitei: “Ed, preciso ver vc hoje. Me encontre às 18h no Pq Ibirapuera.”

Tarde de sábado. O sol refulgente do mês de janeiro me abrigava em seu calor como uma asa, como uma quase extinta chance de tudo dar certo.

Cheguei por volta das 15h. Meditei à beira do lago abaixo da Escola Municipal de Astrofísica. Tentei me convencer de tomar a atitude mais ridícula que já tomei em toda a minha vida. Quem sabe eu não esteja sendo duro demais comigo mesmo?

“Sabia que ia te encontrar aqui!” Senti aquela voz acariciar meu coração e minha tênue alma.

“Edson Braga, o grande! Que bom que veio!” Me senti feliz. Ele se sentou ao meu lado. Ficamos conversando por um tempo sobre coisas da vida até que eu não mais suportava a angustia da indecisão e vomitei...

“Ed, eu pedi que você viesse aqui porque eu precisava...” Aqueles olhos castanhos com o verde acentuado pelo brilho do sol de verão queriam me deixar atônito.

“Gabriel Nunes Saraiva, não me enrole... Está acontecendo alguma coisa?”

“Sim. Eu to apaixonado por você!”

Vou evitar comentar sobre o choque que ele tomou ao ouvir, da pessoa que ele sempre confiou segredos, que sou, ainda, apaixonado por ele.

“Que brincadeira é essa Gabriel?” Ele tinha um semi-sorriso tímido e descrente. Sua bochecha avermelhara. Levantei de repente com os olhos marejados e pedindo desculpas pela amizade que eu havia acabo de dar fim.

“Preciso ir embora, não se preocupe comigo, eu te ligo mais tarde, tudo bem irmão?” Eu quis assentir, porém, não esboçava reação. Caí na minha própria armadilha! Uau! Me considerei a partir daí um dos caras mais ridículos da face da terra!

E se deu início ao Triste Fim de Gabriel Nunes Saraiva. Perdi. Perdi. Perdi. Foi o que consegui repetir durante o resto do dia, chorando, derramando até a penúltima gota de água do meu organismo.

Domingo. O corpo inteiro trêmulo. Sem saber o que esperar de Edson e sem ter para onde fugir. Para minha surpresa, ao adentrar ao corredor principal da assembléia, que dava para o salão principal, vi o rosto tímido e pálido do meu amado, caminhava em minha direção. Frisson.

“Isso é seu, irmão. Esqueceu quarta no meio daquela bagunça” O meu diário. Foi digno, sei que jamais leria.

“Seu insolente e depravado!” Ouvi uma voz rouca gritar no corredor. Todos me olhavam e riam.

“Não estou entendendo Bispo...” Me ouvi dizer.

“Como não está entendendo? – ele se virou e puxou do mural ao meu lado uma página do meu diário. Não! – Essa pouca vergonha pertence a alguém mais além de você? Além de estar trilhando o caminho do inferno pretende levar nosso apóstolo Edson com você? Regime Disciplinar por seis meses é o mínimo pra você Gabriel” Me senti envergonhado diante da minha família, dos meus amigos e dos demais membros. Justo a página que eu confessava estar apaixonado por Edson e abominava as leis da igreja?

Fitei os olhos de Edson Braga, aquele que por muito tempo tratei como irmão, sentia como se o inferno estivesse dentro de mim pronto para explodir.

“Sua infantilidade me assombra.” Foi a única coisa que consegui dizer e sumi junto com a minha família, decepcionados por ter um filho gay, o único que me confortou foi meu irmão Mateus.

Impossível acreditar que em pleno século vinte e um sofri represália por ser homossexual. Ter que me reeducar em São José dos Campos por conta do ego de uma sociedade medíocre que impõe falsos valores ideológicos para que cegos de liberdade possam seguir?

16h de segunda feira. O tempo sereno, calmo e livre me permitia respirar sem culpa. O táxi me esperava do lado de fora de casa. Meus pais sentados no sofá da sala de estar não quiseram assistir a minha partida para a rodoviária.

Guardei minha ultima bolsa no porta-malas. Abri a porta traseira do carro e ouvi meu nome quase que em sussurro. Frisson. Me voltei para o outro lado da calçada. Meu Ed caminhava em minha direção com uma camisa em gola V branca e um jeans estreito.

“Maninho, me perdoe pelo modo que agi com você no sábado? Juro que não tive a intenção de ferir os seus sentimentos, até parece que você não me conhece...”

“Quem ama não faz o que você fez...” Respondi indignado.

“Aquela brincadeira de mau gosto foi a Vitória quem fez, revirou meu quarto e queria se livrar de você” Aja coração para tanta emoção!

Senti as mãos delicadas de Edson, o meu semideus, afagar as minhas. Dos meus olhos marejados começaram a esvair as lágrimas do sentimento mais íntimo de um homem: o amor. Se aproximou vagarosamente dos meus lábios e selou minha dor com um beijo terno e quente.

“Vou esperar o tempo que for pra ter você de volta. Amo você.”

Incrível é acreditar que tudo isso me aconteceu assim tão de repente. É hora de voltar para casa, reencontrar a pessoa que me mandou carta semana após semana em que estive fora. E como citou meu eterno amor Edson, o amor conquista! Na verdade, se eu não tivesse agido como agi, hoje seria, ainda, refém de mim mesmo e de todas as minhas adversidades na longa caminhada da vida.

Hilton Luzz
Enviado por Hilton Luzz em 31/08/2011
Reeditado em 31/08/2011
Código do texto: T3192980
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