Um aniversário diferente

Essa episódio me foi relatado por uma querida amiga, linda, alta e loura, na noite de seu aniversário, com o pedido de transcrevê-lo aqui, nesse recanto. Quem sabe,disse ela, talvez ajude outras mulheres ou homens, que possam estar vivendo situação semelhante. 

Luísa acordou naquele dia nublado em que completava 50 anos, com uma inusitada percepção dos anos vividos...
Quieta, ainda sem abrir os olhos, na cama king size que dividia com o marido, sentiu sua presença ainda adormecida, que ressonava baixinho ao seu lado.
Vinte e nove anos de um casamento que carregava nas costas, como um troféu de resistência..., de empenho em ser essa esposa dedicada e compreensiva que sempre fora, assim como tinha sido a mãe perfeita, a profissional perfeita, a filha preferida...
Lembrou-se da mãe, já falecida e assentiu para ela e para si mesma, o papel de boa menina que interpretara desde sempre...
-Desde que nasci...suspirou.
Mas e agora? Uma menina cinquentona?
Pela primeira vez explícita, percebeu que ser uma boa menina, aos 50 anos, parecia um papel um tanto ridículo...além de não ser de fato verdadeiro.
Então por quê? Porque insistia em atrelar sua vida à do marido? Por quê sentia-se assim tão aprisionada...a cuidar dele e de todos?
Dois filhos já criados, netos que pouco via devido a distância, aposentadoria precoce na área do magistério, alguns quilos a mais de peso, algumas ruguinhas teimando em dar as caras na sua cara...e uma espécie de depressão que as vezes vinha, sem pedir licença, chegava pesada, lenta, como a lhe cobrar as contas dos anos vividos...
De repente, percebeu que o cansaço que a estava envolvendo era quase bom... revigorante até...na medida exata de que não queria mais suportá-lo!
Não queria mais machucar-se assim...trair-se assim...
O que estaria acontecendo com Luísa?
Acariciou o próprio rosto, lembrando que o achavam bonito e expressivo, o corpo arredondado e macio, os seios fartos, as pernas firmes...
-Claro que ainda tenho vida pela frente, tenho o dia de hoje. Um dia especial, decidiu!
-Sim! Posso ser feliz – vou me paparicar o dia inteiro, um dia todinho pra mim...pensava enquanto duvidava do que fazer de suas horas...
Espreguiçou-se fazendo barulho e abrindo os olhos para mirar a invisível chuva, que prometia materializar-se ainda nas primeiras horas do dia e sorriu para o “mau” tempo.
Afinal, era o seu aniversário!
-Hoje serei uma menina má, anunciou ao espelho - que arregalou os olhos..!?
Foi até a cozinha beber água, recebeu de Mauro, que veio ao seu encontro, o beijo diário no rosto, o bom dia sem olhá-la diretamente nos olhos e a lembrança certeira num rápido abraço:
-Feliz aniversário!
-Terei, respondeu quase que friamente, após mais uma noite sem carinho...saindo apressada para o quarto, preparar-se para a vida que a esperava antes que chovesse...ainda que chovesse...suspirou, de si pra si.
Vestiu-se num instante com roupa de caminhada, seguiu desapercebida pela porta da frente e partiu de encontro àquela padaria chique, recém-inaugurada no bairro, pedindo sem culpa, uma fatia fina de torta de nozes e um suco de amora sem açúcar, e bem gelado.
-Ai, que delícia!
Degustou o breakfast com a mais pura alegria e internamente soube que o prazer estava apenas começando...
Seguiu para a lagoa a fim de dar sua caminhada habitual, aproveitando que o sol escaldante não seria um problema naquela manhã de domingo em que levantara mais tarde. Deu alguns piques de corrida e sentiu-se saudável, bem humorada e cheia de energia acumulada...
No meio do trajeto, devolveu o sorriso ao homem que cruzou seu caminho na pista, reconhecendo-o como o vizinho que vivia a lhe sorrir quando por ela passava...
Mas, dessa vez, notou sua pele bronzeada, seus ombros largos e suas pernas fortes.
Não é que ele era até bem atraente e parecia gostar dela, como não havia reparado nisso antes?
Claro, sendo ele um pouco mais jovem e ela uma senhora “bem casada”, não poderia admitir a si mesma que ele estivesse interessado nela...mas, e se fosse isso mesmo?
Desde quando? Será que ele a achara bonita? Ela, uma cinquentona? Claro que muitos homens olharam pra ela quando era jovem...mas isso acontecia no passado e ela nunca dera bola...nem com 20, com 30 ou com 40...agora...é, acho bem possível...
Bem, corria e pensava, pensava e corria: -eu também não aparento a idade que tenho, ...e seguiu rindo de sua flagrante malícia sem perturbar-se quando viu o “estranho” esperando por ela ao final da corrida, na saida do parque.
É comigo mesma...adivinhou, encolhendo a barriguinha.
-Você me parece tão bem disposta hoje, que resolvi perguntar se gostaria de me acompanhar num café da manhã para nos conhecermos melhor...afinal, somos “parceiros”de caminhada...e
-Parceiros? Interrompeu Luísa, como a checar para si mesma a realidade dos fatos.
-Quer dizer, corremos no mesmo parque durante todo esse ano. Não me leve a mal, é que a vejo aqui todos os dias, e pensei...se não quiser...bem, não quis ofender...
-Desculpe se pareci grosseira, interrompeu novamente Luísa, não era essa a minha intenção. E se ouviu dizendo:
-Aceito seu convite porque hoje é o meu aniversário, mas só se for para o almoço, porque café da manhã eu já tomei.
Plínio, assim chamava-se o vizinho, deixou transparecer um ar surpreso ao ouvir sua resposta, mas ambos desataram a rir e combinaram de se encontrar novamente no parque às 13horas.
Quando Luísa chegou, num leve vestido creme e sandálias vermelhas, ele já estava lá com um maço de flores nas mãos e um leve rubor nas faces, tentando simular naturalidade.
-Esse homem é realmente charmoso, convenceu-se Luísa observando seu jeito sem jeito e aceitando as flores com um beijinho no rosto e a súbita preocupação do que fazer exatamente com elas...colocá-las encima da mesa do restaurante?!
Riu de novo e Plínio, como a adivinhar-lhe os pensamentos, adiantou-se dizendo que iria requerer um vaso para manter as flores na água até levá-la de volta para casa, ou para a praça, se ela assim preferisse.
-Sei que você é separado da Marli, a professora de piano, que deu aulas pro meu filho há alguns anos. E eu sou casada com o Mauro, o advogado do bairro, você sabe que sou casada, não é mesmo Plínio?
-Bem, na verdade eu não tinha certeza Luísa...é seu aniversário e ...seu marido não está com você hoje...talvez ...só não sei se você é bem casada porque ...bem...
Ela adorou o jeito com que ele se atrapalhava todo...sentia-se rejuvenescer...
-Não Plínio, não sou bem casada disse ela, como se revelasse um segredo nunca antes revelado...
Tal confirmação teve sobre ele um efeito tranquilizador...
Escolheram uma cantina simpática onde tocava uma ótima música italiana. Comeram muito bem, conversaram como dois bons amigos, riram, se afinaram, também trocaram olhares sedutores, tocaram-se nas mãos...
Ao final da refeição ele perguntou:
-O que você vai querer de sobremesa?
-Sexo - disse ela naturalmente, como se estivesse apenas a esperar que ele perguntasse.
Como resposta, Plínio a beijou de forma tão apaixonada que Luísa chegou a pensar que ele talvez não tivesse entendido bem o seu desejo...
Mas ele entendeu perfeitamente e dirigiram-se para um bom motel de estrada que ele parecia conhecer bem. Será...?
Não se sabe se ele já conhecia o motel, mas, definitivamente, sabia como fazer uma mulher feliz na cama, disso ela não duvidou nem por um instante desde que se entregou à seus carinhos...
E resolveram passar lá o resto da tarde e o início da noite também...
Já eram quase vinte horas e Luisa manifestou o desejo de voltar para casa.
Ele fingiu relutar e por fim deixou-a em frente ao prédio em que morava, enquanto “esqueciam-se” das flores no banco de trás.
Despediram-se com um beijo no rosto sem combinar novo encontro.
-Nos vemos na lagoa durante a semana, perguntou Plínio?
-É provável que sim, respondeu ela – e saiu do carro apressada.
Ao adentrar em seu apartamento, já imaginando que Mauro deveria estar lá e que nem perguntaria onde estivera o dia todo...Luísa surpreendeu-se ao encontrar a porta aberta e as luzes apagadas.
Ato contínuo, acendeu a lâmpada sem olhar para a sala e, quando ia enfiar a chave do lado de dentro da porta, foi surpreendida por uma enxurrada de sons estridentes, assovios e palmas de seus familiares e uns poucos amigos que cantavam para ela o “parabéns a você”.
Estavam todos ali: seus dois filhos, os três pequenos netos a correr ao seu redor, uns poucos amigos de longa data, colegas de trabalho, a cunhada, outra amiga da escola...todos querendo cumprimentá-la.
Mais adiante avistou Mauro e lhe sorriu agradecida... apesar de que num segundo olhar, teve a certeza de que a festa não haveria de ter sido ideia dele.
Mauro, infelizmente, não era um marido que gostasse de surpreendê-la.
Seus olhos mais uma vez se cruzaram e ela viu em seu olhar triste que ele de tudo sabia. Mas como?

Se nem ela poderia supor que acontecesse tudo o que aconteceu...hoje...no dia em que completava meio século de vida...o que não aconteceu por todos aqueles longos anos em que foi perdendo a juventude, as ilusões e quase perdera a esperança?
Soube também, pelo abraço longo e suplicante que ele lhe dera, logo que se viram a sós, que não era preciso dizer nada...
Soube que já estava perdoada e que ele haveria de perdoá-la, se outras vezes ela o traísse...
Soube, ainda que nenhuma palavra houvesse sido pronunciada por ambos, que seu marido a compreendia, sabia ainda mais do que ela de que tinha o direito de não trair a si mesma...sempre e sempre.
Entendeu que ele sempre a havia amado, ainda que sem romantismo, sem paixão, sem tesão pela vida, sem cumplicidade... negando-lhe sexo as vezes, inúmeras vezes... lutando consigo mesmo para não entregar-se a ela...tantas vezes em que ela não se sentiu desejada...não sentiu-se amada, durante todos aqueles anos...
Via agora que era assim que ele a amava e ela sempre esperando mais...
Mauro dava-lhe o que podia...era pouco o que tinha pra dar...mas era tudo o que julgava ter...um amor sob controle, que não era passional posto que honesto.
Luísa enxergava agora que esse amor lhe era pouco porque era a menor parcela do muito que ele negava a si mesmo.
Então...como receber, trocar, expressar?
Ele estava ali, bem a sua frente: um homem bom. O bom menino que sempre fora...e ela não o via, não o compreendia. Não sabia aceitá-lo como ele era porque estivera imersa em fantasias por 29 anos, vendo os filhos crescerem, os sonhos minguarem... Na esperança ilusória de que um dia poderia curá-lo e que só então veria a vida brilhar em seus olhos...em seu coração que sabia tão generoso...
Agora ela o via tal qual era. Se via tal qual era.
Assim que soube, assim que compreendeu sua história e o emaranhamento que construiram juntos, Luisa se distanciou...serenamente, dolorosamente, talvez por um tempo...talvez para sempre...
Quem sabe? Só sei que naquele dia, ela arrumou as malas e foi embora.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Lídia Carmeli
Enviado por Lídia Carmeli em 11/09/2011
Reeditado em 11/09/2011
Código do texto: T3213237
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