Segunda parte da Luta pela Sua Cidadania. Atualizada

Florisvaldo encontra comprador para o sitio, assim que chegou à Cidade; mas se deteve por três dias no jogo. Ganhou, perdeu, perdeu, perdeu, ganhou, ganhou, perdeu, perdeu, perdeu e foi perdendo... Perdeu até uma parte do sitio.

No terceiro dia ele foi junto com o novo proprietário até ao sitio, que já conhecia a propriedade; pois alguns tempos atrás vinham querendo comprá-la.

Miguel tampava os ouvidos para não ouvir a voz do pai; mas a visão do rosto foi inevitável; ao se despedir rapidamente de toda a família.

O automóvel funcionava lá fora a sua espera. O jipe preto partiu em direção a estrada grande, percorrendo a longa e estreita estrada do sitio, que cortava ao lado da cerca do potreiro e das plantações, até sair fora na estrada grande.

Dentro em pouco o ronco do jipe foi ficando distante até sumir a percepção do barulho. A poeira vermelha foi lentamente desaparecendo, o dinheiro do sitio também ia em breve desaparecer, mas Florisvaldo não pensava mesmo no futuro quando chegava a uma mesa de baralho.

Por enquanto a família tinha o que comer; havia deixado uns trocados com a D. Ondina, para algum apuro. As coisas no

momento iam tudo bem. Florisvaldo dentro do automóvel tirava o chapéu da cabeça com uma mão, e com a outra passava os dedos abertos nos cabelos da testa para trás, e tornava assentar o chapéu na cabeça.

Não havia perigo da miséria imediata, que aterrorizaria a família no futuro. Os dias foram se passando, a despensa foi ficando vazio, o prazo da entrega do sitio já havia se esgotado, e horríveis visões de pesadelos agitava a vida da D. Ondina, e das crianças. A bicharada haviam ido todos junto com o negocio do sitio. Só restara o plantio de bata doce, mandioca e alguns peixinhos no rio.

A SAIDA DO SITIO

Nesta noite a incompleta família estava reunida em volta do fogo à lenha; o borralho. D. Ondina sentada na gamela virada de boca para baixo, a velha gamela que era usada para lavar os pés, com água bem morna, nas noites de inverno; para não encarangá-los; Sueli de pernas cruzadas, sentada encima de uma tabua forrada com um pelego, às coxas estavam servindo de travesseiros para as duas irmãs; a Madalena e a Catarina. O cachorro Cóti com a parte traseira no chão, e a parte da frente levantada, as patas

dianteiras firmes no chão olhavam o fogo subir estralando os nós de pinhos, soltando faíscas por todos os lados; esperando que mais tarde sobrace uma cinza quentinha; que, lá se iam às pulgas pulando em meio o borralho. Noite de um frio medonho, a chuva caia lá fora. O vento sacudia os galhos dos pés de laranjeiras, e o rio Dois Vizinhos produziam barulho como de trovões bem distante

D. Ondina esfregava as mãos com certa depressão, empurrando de vez em quando, os tições, com um pedaço de sarrafo; atiçando o fogo. Os tições estalavam; aumentando-se o claro da luz ao redor do borralho, clareando os corpos trêmulos de frio, com os rostos avermelhados pelo claro das labaredas. O fogo não era fraco, mas aquecia mesmo somente os lados que se voltavam para ele. O outro lado dos corpos recebia o vento que congelava; entrando pelas frestas das tabuas das paredes. Ali era mais quentinho que nas camas. As cobertas estavam em tiras; umas verdadeiras trapeiras, todas rasgadas e transparentes de finas; gastas por tantos invernos.

D. Ondina costurava os rasgos; mas tantos pés e mãos puxando para se acudirem do frio, a coberta não agüentava partindo-se em outro lugar, dando lugar a novas roturas.

De vez em quando se arrepiavam, e iam chegando-se a trempe de pedras do borralho. D. Ondina tornou a esfregar as mãos e acendeu um maço de ervas, saindo a defumar a casa. O cheiro

horrível de arruda, espada de são Jorge, guiné e outras tantas ervam mais, que veio direto dos orixás, de um centro de sarava, encharcou aqueles seres incertos de vidas incertas. Aquele gesto de D. Ondina não passou despercebido.

O Miguel; abriu os olhos, não querendo se mexer na cama, para não dar de encontro com um buraco a coberta; estava bem ajeitadinho. A coberta dobrada escondendo os buracos; uma coberta de casal que estava quase do tamanho de uma manta de bebê; e ele ali enrolado como um recém nascido. O cheiro apertava, ele pestanejava. Ele pensa em fugir daquele cheiro,

metendo-lhe as fuças embaixo da coberta. Mas não dá, se puxar a coberta para cima, falta nos pés. O escuro não dificultou-o, para saber quem espalhava aquele exsenso que do espírito melhor ao maior zombeteiro, preferiam enfrentar o horrível frio lá fora. O cheiro era de espantar qualquer alma penada. O cheiro se

espalhava pela casa toda; deixando-a, com uma sensação de casa de umbanda.

Afigura da mãe surgiu na sombra do circulo da luz que aumentava no movimento, diagonal e no horizontal; desenhando uma cruz. Era só isso que podia visualizar, o resto era um negrume que vagas claridade cortavam. Em meio isso apareceu, próximo da cama, a d> Ondina cochichando algumas mandracas. O Miguel estava acostumado com aquele ritual, mas não gostava; este ritual não caia bem ao resto da família. O Adão, o irmão abaixo do Miguel, acordou desaprovando profundamente o cheiro levantou-se rapidamente da cama, puxando toda a coberta do Miguel. Correndo para junto das irmãs lá em volta do borralho. Miguel levantou-se, e foi enrolar-se também em volta do fogo. Miguel remexeu o fogo com um pedaço de sarrafo, arrumando entre a trempe de pedras, os nós de pinhos, procurando manter o fogo atiçado. Uma fumaça invadiu todo o recinto, os borralheiros tossiram, enxugando os olhos. D. Ondina manejou a tocha de incenço, e passando um instante apagou-a, vindo se abrigar em volta do fogo com de labaredas que espirravam entre a trempe de pedras.

O claro da luz aumentou mais ainda, agora as figuras aparecem mais nítidas, dando forma às sombras. Itamira esta visível, com as duas irmãs deitadas tomando conta das suas coxas, e de todo o seu colo magro; se misturado o calor humano afetuoso.

Dentro de muitas horas o dia ia amanhecer, mas D. Ondina não pensava nisso. Por enquanto estava concentrada no fogo, e na de que a chuva aumentava; e os riscos de ficarem no vento iam cada dia crescendo. Não tinha mais, nem uma ocupação ali no sitio.

Os animais já estavam em poder de outras pessoas; ou seja, havia idos todos no bolso do seu Florisvaldo. Ela agora ocupava-a, em a se atormentar na possibilidade de ficar com uma mão na frente e outra atrás. Na verdade nunca tivera muita segurança de o marido voltaria para buscá-los.

Ela pensa; que ele havia achado um rabo de saia e uma mesa de baralho; e em seguida depositado todo o sitio nestas duas aplicações. O novo proprietário havia de pedido a casa; e a miséria aumentaria, lambendo e verendo suas vidas ao serem despejados. Ela esfrega as mãos na a outra. Agora existia ali o perigo de imediato, que a aterrorizava. A dispensa estava minguada, só havia

um pouco de sal, açúcar e um pouco de banha. O querosene só dava para mais umas duas noites; mas muito bem economizado. O lampião só ia ser acesso em caso de grande indigência; ao irem se deitar levaria um tição de fogo para clarear, e depois jogavam pela janela; para tudo se dava um jeito. Mas as horríveis visões de pesadelos estavam agitando a sua vida, tirando-lhe o sono por completo. A chuva da uma súbita parada; e um clarão ligeiro rasga o céu em direção da cabeceira do rio Dois Vizinhos, logo apareceram um atrás do outros ainda mais claros, os trovões surgiram cada vez mais perto, na escuridão da madrugada, derramando chuva como se despejasse com um balde. O vento arrancara a porta da sala e a janela da cozinha, caindo muitos raios no campo aberto do potreiro; D. Ondina se escondera embaixo da mesa com os filhos, tampando-os, envolvendo-nos, nas cobertas em trapos.

No sitio não houve maiores estragos; alem da porta e da janela. A tempestade findou; veio agora à enchente do rio, arrastando, galho, copas de arvores e até mesmo arvores pelas raízes. As águas do rio subiram, dando fim na ladeira que descia até a fonte de água de beber. O rio estava furioso; parecia ter vontade de chegar a porteira do curral, próximo da casa. D. Ondina andava amedrontada com tudo. Seria possível que aquela chuvarada viesse atrapalhar ainda mais as suas vidas. Se ela não desse uma boa trégua, nem um caminhão entrava para tirar-lhes dali. Eles teriam de se bandearem, para a casa do velho pai, na Cidade de Dois Vizinhos; mas isso seria em últimos casos, pois o velho era um bicho ruim, que nem o Diabo queria no inferno. D. Ondina havia se “casado” para se livrar das unhas do bicho bruto.

Ela suspirava pensando:

_ Os orixás, e Nossa Senhora Aparecida, iam lhe ajudar; e Deus não permitiria que acontecesse tal coisa. Ela pensava isso enquanto pregava a porta e a janela, com a ajuda do Miguel. A cassa era forte, mas isso não impediu que a porta e a janela fossem remessadas para longe. Os esteios da casa eram de angico, bem fincados no chão.

Se a chuva chegasse ali mais forte, não a derrubaria, pois as defumações as deixavam mais fortes; envolvendo a sua vida também; e nada de mal ia lhe acontecer; não havia de vir mais nem uma chuva igual aquela; e as estiagens haviam de acontecer,

de forma que Florisvaldo ia voltar em breve; quando a enchente abaixasse. Pensa D. Ondina.

O barulho do rio apavora-a. O rumor da enchente ia crescendo deitando a vegetações da barranca do rio. D. Ondina estava já se convencendo de que tudo aquilo de tanta pobreza, de tanto desalento, só iria acabar quando se mudasse para a nova colocação que o marido estava preparando; e com certeza quando encontrasse um lugar bom, voltaria buscá-los.

Alguns tempos antes aconteceram algo parecido; o Florisvaldo abandonara-os, por três meses, depois de uma briga que eles se arrumaram. Ele passou meses fora; nunca se soube o certo onde, só voltou quando não lhe restava um tostão furado no bolso.

D. Ondina estava vendo tudo se definhar na sua frente; quando ele apareceu de volta; com cabelo e barbas crescidas; Catarina que era de cinco messes, quando ele a chegou não o reconheceu mais; ou teve medo do estado do pai.

D. Ondina não dava trégua ao seu juízo pensando:

_ Que vida era aquela dela?

D. Ondina se coloca a pensar na dificuldade que havia enfrentado na revolta dos posseiros no Sudoeste do Paraná; em 1957; e não sabia ainda quanta dor e sofrimentos tinham que enfrentar. As lembranças horrorosas estão vivas dentro de si. Enquanto Florisvaldo estava fugido para o mato; ela estava à mercê dos jagunços do Governo. Que foram muitos impiedosos para com as pessoas.

D. Ondina nunca esqueceu aquela barbaridade, que só escapou por pouco das unhas dos jagunços.

Ela se volta agora para a atualidade:

_ Antes as vacas vinham encostar-se, junto do curral, mesmo com o frio e as perpetuas chuvas; neste tempo ela tinha o que fazer; tratar da bicharada. Mas agora esta ao vento; só na

esperança do marido voltar para buscá-los. E ia D. Ondina nos pensamentos que espreitavam por dias melhores, onde pudessem viver em abundancia, ali não havia mais nada para eles. D. Ondina sonha com um lugar onde houvesse moços e moças de situação financeira boa para casar-se, seus filhos e filhas, pois só quem tinha dinheiro é que era gente; e que realmente aquela vida de cama de colchão de palhas, de trapos de cobertas, onde se deitavam era um lugar para gente sem prestigio algum.

D. Ondina coloca mais alguns nós de pinhos, misturado com umas lascas de angico que sobe uma linda labareda de fogo. As crianças se retorceram, pelo frio que penetrava em suas partes que não alcançava o calor do fogo; um lado estava congelando; o outro estava quase assado; o que de vez em quando mudavam de posição.

Catarina olhou as mãos da D. Ondina, que passou por cima das labaredas, vermelhas e bem vivas. Via bem as palmas das mãos da mãe; as costas das mãos ficavam para cima; o que obtinha as sobras; o que possibilitou enxergar só as palmas avermelhadas; parecendo estarem assadas; ou esfoladas pelo cabo da inchada, da foice, do arado, ou ainda pelo machado. O rosto redondo, levemente achatado, olhos pretos e graúdos, de lábios grossos, boca espaçosa sobre o queixo curto, cabelos lisos, negros e longos; com olhos negros e imóveis, fuxicados no fogo, falava a dura e muda vida. Sentada de volta a gamela; ela toda murcha, pele ressecada, deprimida; era feia a sua feição, era um jeito de bicho pesteado quando não agüenta mais sustentar nem a sua cabeça em seu próprio pescoço.

Catarina estava muito descontente; só que ela não sabia realmente, se estava mesmo ali no abandono como a sua mãe lhes diziam. Firmou bem os olhos na feição da mãe. Queria entender bem; e o que lhe pareceu foi:

_ Estamos perdidos igual cachorro bernento!

Logo lhe surge uma duvida. A mãe reduz a tristeza com uma leve expressão de satisfação.

A D. Ondina se lembrara da família do Florisvaldo; e eram eles que ela ia procurar, assim que as chuvas passassem; eles podiam dar noticias do marido.

Catarina tenta interpretar aquela mudança de feição; chegando ao pensamento de que um anjo lhe trouxera uma mensagem.

_ É uma visão quem sabe que o pai esta chegando. Quem sabe um espírito de luz; destes que ela diz que recebe lá no centro veio lhe soprar alguma coisa nos ouvidos!

Aquela convicção lhe acentuou tão bem. Catarina recordou-se de um destes dias em que o pai se ausentara de casa; a mãe estivera com cara muito triste; até que um dia deste ela mostrou esta mesma feição. E em seguida enfiou-os todos embaixo da mesa, e mandou que o chamassem. Que foi assim:

_ Pai volte logo, pai volte logo; isso se repetiu por varias vezes, bem alto. As cordas vocais das crianças enrouqueceram.

Catarina; pensa:

_ Será que vamos novamente para baixo da mesa, neste frio? _ Se for para o pai voltar; eu vou gritar mais alto que naquele dia!

Catarina pensativa, não percebe quando da uma cochilada pesada. Vindo se espertar com o ar frio que fazia passagem pelas frestas das tabuas da parede; que lhe resfriou todo o lado virado para ela.

Não demorou começarem invocar o nome do pai. Lá se foram todos para baixo da mesa aos gritos: _ pai volte logo... Isso Catariana já vinha fazendo há dias; só que em pensamento e, em oração. A mãe não sabia disso.

O Cóti quando ouviu os gritos das crianças; uivava, latia, saltava; parecia dividir aquele momento com a família; ou então lhe enfastiava aquela algazarra; que se ouviam quilômetros e quilômetros dali.

Ninguém aparecia por ali para se certificar do que estava acontecendo; porque o lugar era muito distante de vizinhos; e era este o que contribuía mais ainda para as tenebrosas brigas; que iam de facas a machados.

Aquele ar de abandono se dissipou ao irem todos deitarem bem juntinhos na cama com a mãe. A irmã mais nova que já estava lá; foi recostada bem para a parede junto com a mãe. A Madalena que está próximo a perder o colo para a outra criança; aproveita a se atracar bem ao pescoço que em breve será regado-a; mas isso era só no mês de outubro. Eles estavam em julho; então só lhe restava alguns meses. O ninho ainda não estava completo; o irmão de Catarina de dois anos mais velho que ela, vem meio sonâmbulo. Batendo com a cara pelas paredes no escuro. Ele tinha se “agasalhado” dentro do colchão da tarimba onde dormia com o Miguel, e quando sentiu a falta do irmão e do trapo de coberta arrastou-se para junto da família. O colchão era de palha; o que facilitou a sua penetração por um rasgado no tecido encardido.

Agora ele esta com as trapeiras de cobertas e com o calor humano. O Cóti, estático, pacientemente, olhava as brasas; esperando que a D. Ondina viesse jogá-las fora. O cachorro só

queria dormir em um lugar quentinho. Dona Ondina vinha esfregar os tições acesos no chão, abafando-os contra a terra; dando o fim ao fogo; e logo retiraria as brasas com uma vassourinha de mato verde, e ele entraria entre as pedras, enrolando-se, e adormecendo naquele espaço quentinho, sonhando com um belo osso de frango. As pulgas deixavam o seu sono mais leve do que já era. Era um ataque fulminante; uma guerra travada de parasitas; um malabarismo infernal; uma verdadeira corrida de São Silvestre; era um indo e outras voltando; enquanto outras sugavam o sangue do pobre animal.

O animal esperou muito tempo mais naquele dia como era de costume não aconteceu. A D. Ondina se esqueceu de limpar o borralho; e ele se contentou em dormir em volta da trempe que demorou em esfriar; não sendo assim tão ruim a sua noite.

A vida ali tinha se tornado muito difícil; e cada dia ficava pior. D. Ondina continuava com as defumações na casa toda; até nela e nas crianças; ela tremia-se toda, manejando o maço de ervas, e mexia com os beiços rezando orações fortes; como a Salve Rainha. Fazia isso todos os dias desesperadamente.

Um dia lá pelas dez horas da manha; o sol já havia derretido por completa a geada; o vento soprava as folhas seca, mortas e amareladas atravessavam o terreiro do pátio da casa. Catarina trajava-se de um pijama meia canela de flanelinha, cor amarela encardida. O cachorro Cóti; que havia dado um susto em um rato tonto que vinha saindo do meio de um monte de palha de milho, que D. Ondina havia classificado-as, para encher os colchões. Coitado do cachorro estava mais magro do que já era; ia dando volta, se ajeitando para deitar-se; ouve um ruído como de um caminhão. O Cóti soltou os latidos mostrando serviço, mal escutou o ronco do caminhão, saiu correndo mancando das pernas; as patas estavam feridas pelas pulgas. Ele ia para frente e para trás como se tivesse de porre.

O ronco vai ficando cada vez mais nítido, e o Cóti cada vez mais nervoso, latindo e se coçando ao mesmo tempo. D. Ondina não sabe se, se esconde ou se, sai correndo ao encontro do marido. Catarina começou gritar em silêncio; vibrando por dentro com a presença do pai; que em seguida entrou na cozinha, atravessando-a, passando pelo corredor da sala que levava até os quartos.

Examinou os quartos viu D. Ondina sentada à beira da velha tarimba puxando os alinhavos da barra do vestido, ela puxava todo e qualquer fio de linha solta que os dedos alcançavam quando estava emocionada. Isso era uma mania.

D. Ondina espiou-o, desconfiada, encostou-se bem juntinha da cabeceira da cama de tarimba, passando a mão na cabeça, piscando e mordendo os dentes um no out6ro; se levanta, mostrando-se, satisfeita com a presença dele. Florisvaldo foi logo dando ordem de despejos, o destino era um vilarejo próximo de Catanduva; no Estado do Paraná. Os cacarecos e as trapeiras estavam em um piscar de olho todos lá em cima do caminhão. Pouco a pouco as crianças foram se ajeitando em meio os cacarecos, e trouxas de roupas velhas.

O Cóti choramingava de rabo entre as pernas e orelhas murchas; ao ver as crianças se empoleirando. O cachorro espiou o Florisvaldo, meio desconfiado, encostando-se no pneu do caminhão; e foi se escapando para de baixo do mesmo, até quase sair do outro lado da carroceria, e rezingava, mostrando os dentes para Florisvaldo. Florisvaldo nervoso pela lograda do Cóti, soltou um palavrão.

_ Cachorro desgraçado! Vou deixar este bicho amaldiçoado aqui!

Era como se o animal houvesse, se lembrado do chute dele, que o deixou, muitos dias foragido. A pancada tinha o acertado o quarto de trás, próximo ao vazio; que ganhou o mato latindo desesperado. Presenciando o desespero do Cóti, Catariana pegou se a chorar baixinho com medo de sobrar para ela, indo se abraçar nas pernas da irmã mais velha; que lhe afagou.

O espancamento do Cóti, havia se dado em uma das brigas do Florisvaldo e da D. Ondina, causando atrito entre o Cóti e O Florisvaldo. Catarina esta lá em cima a lembrar:

_ Nesta briga envolveu-se uma faca. A mãe saltou-se, com uma faca para cima do pai, que a desarmou, ferindo-se, a sua própria mão ao tirar a faca das mãos dela. Enquanto as crianças lá fora gritavam, o cachorro acompanhava-as, com os latidos. Florisvaldo quando a desarmou, a mão que segurava a faca ficou vermelha de sangue. Depois de descarregar o chute no cachorro, mirou a faca para seu próprio peito.

A imagem da mãe morta lá dentro toda ensangüentada não havia ainda se desfeito na cabeça da Catarina. Surge a do seu pai, socando no seu consciente, que estática permanece; enquanto a irmã mais velha agarrara-se com ele, chorando muito. Ele retrai a mão; cravando a faca na parede. A D. Ondina aparece toda descabelada na porta da cozinha alta; trazendo alivio ao coração de Catarina. Mas afinal de quem era o sangue na mão do seu Florisvaldo? Era dele mesmo. Ele Havaí, se ferido na tentativa de desarma a esposa.

_ Ufa! _ Meu Deus! _ Não tem mãe e nem pai morto.

Já havia se passado mais de dois anos dois anos deste acontecimento; e o cachorro ainda não o ingeria.

De frente do caminhão; Florisvaldo fica de quatro pés; agarrou-lhe a perna de trás e, veio no Cóti o desejo de mordê-lo. Florisvaldo puxou a sua pata. O cachorro com os olhos vidrados, todo tremulo, fez um esforço para desviar-se do Florisvaldo, e encolheu o rabo; firmou as duas patas dianteiras no chão. Olhou bem para ele e julgou que não podia mordê-lo: por certo ele lembrou-se, do dia de muito frio; em que foi socorrido pelo Florisvaldo à beira de uma estrada bem distante da povoação; havia quem sabe caído de alguma mudança. Ele agora o espiou, por baixo de um olhar caído; que logo se sossegou.

O Cóti com o coração batendo muito rápido foi jogado lá em cima do caminhão, sem saber o que realmente estava acontecendo.

Ao passo que o caminhão ia andando, viam-se, os morros avermelhados, as grandes manchas escuras de pedras; iam pasando a serra dos alemães. O caminhão ia cortando as subidas a fora. Os infelizes haviam percorrido o dia todo, estavam cansados e famintos; D. Ondina não teve tempo de preparar a farofa do frango que tinha ganhado da madrinha da Catarina. O frango ia ali vivo cumprir o seu destino logo mais, quando chegar ao vilarejo. O caminhão andava pouco, mas como agora haviam subido todas as serás, e iam agora pegar só descendo; a viagem progredira bem, e logo chegaram ao destino.

As casas e os barracos velhos apareceram; naquilo que viraram uma curva avistou-se, a nova morada.

Arrastaram-se para lá, devagar, meio entrevados, D. Ondina com a filha mais nova escanchada amassando a cabeça da outra que estava na barriga, e um embornal cheio de panos velhos, duros de vômitos; pendurado em uma das mãos; Florisvaldo esperto pula de cima do caminhão, com uma destreza de macaco, começa descer as crianças menores; os meninos já estavam lá em baixo, espantados com tanta gente diferente. A Catarina e o Cóti descidos juntos pela sua irmã mais velha; a Sueli e o motorista do caminhão. Florisvaldo não quis mais graça com o cachorro depois do acontecido na saída do sitio.

Em um estalo os cacarecos estavam todos ao chão. Agora é tarefa de D. Ondina e as molecadas colocarem todos para dentro da choupana. Uma choupana de três cômodos; uma cozinha e dois quartos.

Florisvaldo sabia o quanto a D. Ondina era econômica. E se aventura em pedir se ela tinha algum dinheiro daquele que ele havia deixado para ela no dia em que saiu do sitio a procura de moradia.

_Tie, você tem ainda um pouco daquele dinheiro que te deixei no dia que sai?

_ Tenho, sim. Eu não gastei nada. Guardei, pois não sabia se você ia voltar. Então guardei para uma segurança; passemos uma miséria danada, mas precisava me garantir.

_ Anda me arrume ai que vou comprar alguma coisa pronta para nós comer, enquanto você prepara a janta.

D. Ondina desenrola o dinheiro do meio de um lenço que esta enrolado em mais três.

Florisvaldo sai às pressas; e D. Ondina foi acendendo um fogo, esquentando uma água para despenar o frango. Tinha que fazer comida para a família; ela não esperava que Florisvaldo voltasse logo da rua com alguma coisa para comerem.

Ele em um minuto esta de volta.

_ Anda, me arrume uma faca. Diz Florisvaldo para a D. Ondina.

Em dois tempos, ela vem limpando o sangue do frango da faca no avental. O frango já havia cumprido sua sina.

Florisvaldo todo empolgado chama as crianças:

_ Venham crianças; vamos comer. Florisvaldo se alegra em servi-los.

Eles estavam ansiosos. Não sei s era por estar alimentando os filhos com algo que eles nunca haviam comido, e nem ao menos conheciam; ou se era por que agora estavam mais perto das mesas de baralhos.

_ Comam, isso é muito gostoso; é pescadinha; peixe em conserva.

As crianças mastigam bem de vagarinho para sentir o sabor, do pão com pescadinha.

_ Meu deus, isso é fim do mundo! Até parece bruxaria! Bem que o profeta São João de Maria dizia, que este dia ia chegar. Onde

que já se viu abrir uma lata fechada e tirar de lá de dentro os peixinhos! Até parece bruxaria mesmo.

Aquilo era muito para a cabeça da D. Ondina, e das crianças, que só vivia no sitio.

Catarina mastigava aquilo muito intrigada.

_ Como é que os peixinhos foram parar lá dentro da lata fechada? Por onde que eles entraram? Aquilo era muito estranho, mas era muito gostoso.

Florisvaldo tentou explicar a magia. Mas viu que ia tomar muito tempo e não iriam entender, desistiu dizendo que mais tarde eles iam compreender tudo as coisas da Cidade.

_ Mas, barbaridade que coisa melhor é isso meu pai! Diz Catarina.

_ Miguel tem vontade de opinar sobre o mistério, fica quieto. Comia, dando uma mastigada aqui e outra ali. Estava bem viva na sua mente, a surra que ele havia ganhado do seu pai um pouco antes da venda do sitio. Com os olhos castanhos graúdos, mede o pai de cima a baixo; que este sentado em uma cadeira velha; de acento e encosto de palha.

Neste olhar para ele vem o pensamento:

_ É, se ele pensa que um dia vou esquecer-me da surra que em deu como se eu fosse um baita de um bicho bruto; esta se iludindo. Esta surra vai-me doer a vida inteira. Miguel sente ali aquele ódio implacável; foi muito bruto, muito estúpido; Miguel como criança que era, esqueceu a foice no mato, em uma destas brincadeiras de cortar paus para confeccionar um brinquedo; ele fez um carrinho de volante, frio e tudo mais parecia um carinho de corrida. O espaçamento não tirou lhe o gosto pelo brinquedo. Todos os dias subiam empurrando-o, até o lugar mais alto da estrada que cortava o sitio, aquela terra vermelha, e desciam dela engarupados; o carrinho só parava lá bem em baixo quando acabava a banguela. Era uma festa. Todos de pés descalços suados, vermelhos pelo barro. O barro era vermelho e uma cola; cada descida tinha que pegar um pedaço de pau e limpar as rodas.

Catarina sempre foi muito raquítica e frágil. Miguel tomava mais cuidado quando era a vez dela descer a ladeira em sua garupa.

As lagrimas rolaram por dentro dele, mastigando o pão com a sardinha que com um grande esforço engole aquilo que desce rasgando empurrando os ressentimentos para seu estomago; aumentando ainda mais o seu fastio.

Florisvaldo nem prestou atenção na feição; e foi tomar banho, e D. Ondina passa o ferro em uma camisa para ele ir dar suas voltadas.

Miguel sentia a dor da injustiça que subia e descia no seu estomago, o sentimento vinha cada vez mais forte, e havia nele partículas de outros acontecimentos. Quem sabe aquela mudança

de moradia distanciá-lo-ia, daquele rumor interior; que desagregaria tudo aquilo.

Será mesmo que a vida deles ali seria melhor que no sitio? Ali o único serviço que havia era só na roça e alguns gato pingado de funcionário público. O ensino ali funcionava assim: Quando chegava ao final do ano letivo, se deslocava um profissional na área da Educação da Cidade de Catanduva, Estado do Paraná, para aplicar o exame final.

O vilarejo, Distrito de Catanduva/PR. Contava com, uma Farmácia, a Escola Municipal Frei Henrique soares de Coimbra, sendo uma sala multisseriada que funcionava dentro da Igreja Católica, contava também com quatro botecos, duas lojas de cecos e molhados, um açougue, um armazém de compras e vendas de seriais, uma madeireira, um salão de baile, uma cancha de bocha, três Igrejas Evangélicas e uma Católica. Curioso que não havia nem um salão de beleza. Quem cortava os cabelos das pessoas da família eram as mulheres ou quando não os homens; todos eles sem nem uma formação dava só molecada de cabeça cheia de caminho de ratos ou raspada, as raspadas facilitaria também para não em praguejar de piolhos!

O vilarejo contava aproximadamente com umas 2000, (dois mil habitantes), a Escola funcionava em uma Capela; Capela Nossa Senhora Aparecida, pelo pouco poder aquisitivo da região o ensino, era de péssima qualidade.

A luta de obter a Certidão de Nascimento era incessante pelos pais que sonhavam em estudar os filhos.

Catarina sem documento, esse era o seu dilema. Não só dela, mas de milhares de pessoas daquela época, incluindo seus irmãos e de sua mãe. Em questão de, o não aceso a este beneficio a esse direito a Certidão de Nascimento, muitas crianças ficavam fora das salas de aulas. Não tinha acesso a Educação, pois como que se estudava? Foi neste ambiente tumultuado cercado pela desigualdade Social, que estas pessoas viviam atrelados a uma batalha atrás dos políticos, que todos os anos eleitorais faziam todo um levantamento de papeladas, com promessas falsas, de que todos teriam seus documentos gratuitos se casos se elegessem, então a mãe de Catarina estava lá em uma busca constante pela a Cidadania da família, é difícil entender isso, pois era uma sociedade a parte.