A cruz da poesia

Elesbão nasceu no dia de São João, filho de Zé da Capina com Maria Agripina. viveu seu primeiros meses como um tiquinho de gente qualquer, mais uma cria infusada do ermo do sertão que comia, defecava, arrotava e soltava gazes ininterruptamente devido ao leite azedo que tomava quando tinha, na falta que era o tempo maior se valia de garapa de açúcar. Tudo corria muito bem nesta ordinária vida de meu Deus, até quando balbuciou as primeiras palavras, as segundas, terceiras, quartas e por aí se foi... Um alvoroço só, um furdunço atrás do outro. Chama um vizinho daqui, chama outro dali, até aquele dacolá somente para ver o menino que falava rimando. Alguém sugeriu ao Zé que levasse o menino para um circo, este então convocou a mulher para uma reunião de avaliação da proposta, porém a mãe temerosa de algumas coisas que ouvira dizer sobre circo, não acatou a idéia dizendo que se o menino fosse quando o circo partisse teria de ir junto. Elesbão continuava crescendo e rimando, na escola era um sucesso principalmente na aula de literatura de cordel. Já era um rapaz formado com quase vinte anos quando uma velha rezadeira conhecida como Vó Fulaninha responsável pelo setor de urucubaca da Prefeitura do lugar, temendo que as rimas do moço fossem poderes para-normais já que era uma charlatã. Disse ter sonhado que a seca inveterada que assolava o lugar, era fruto do pecado que todos pagavam pela forma rimosa que aquele cometia cada vez que falava. Desprovidos de maiores argumentos a população embarcou no delírio da velha mandingueira, reuniram e decretaram a sentença do rimador. Seria crucificado como fizeram com Jesus Cristo para aprender a falar direito, e aproveitando a oportunidade pagavam-se os pecados de todos os moradores para a chuva voltar a cair. Um amigo que participou como bode expiatório montou no jegue e chegou ofegante para avisar. – Elesbão meu cabra, se tem amor à vida riba a tanga e mete o pé na estrada, o povo quer te pregar na cruz! – Me pregar numa cruz? Por que se não sou Jesus? – Moço larga de folga, corre logo que o Véia te culpou pela falta de chuva! – Olha amigo comigo não tem segredo, quem faz a chuva é São Pedro, e correr eu não vou não, se tiver algum macho que me arrede deste chão. – Olha aqui seu Elesbão, amigo que considero, não vou dizer uma rima por falta de inspiração, mas posso dar-lhe uma porretada se não sair agora! TODO MUNDO ME VIU CORRENDO PARA AVISÁ-LO, EU TAMBÉM ESTOU CONDENADO P...! – Sendo assim, não vejo outra opção, vamos lá pisar na areia desta estrada do sertão, desde que nasci esta sina hei de cumprir, ser perseguido e odiado por dizer tudo rimado! – CALA A BOCA E CORRE F.D. P!

Antes de o mensageiro fechar a boca o condenado e a família desapareceram no meio da poeira e por longos dias e noites andaram sem descanso, quando a fome batia abriam a bruaca no lombo da mula e jogavam um punhado de farinha na boca com um pedaço de rapadura. Quando alcançaram a segurança que perseguiam, numa cidade civilizada sem Folclore da rezadeira nem a seca de outrora, Elesbão abriu a boca para rimar em comemoração, mas nem galinha com batatinha conseguiu harmonizar, tentou sertão com feijão, mas nada se encontrava. Três dias depois estava de volta na antiga terra, pregado numa cruz rimando suas dores com a poesia.