NUNCA É TARDE! - Capítulo I

CARO(A) LEITOR(A), ESTOU INICIANDO MAIS UM CONTO EM CAPÍTULOS. UM ABRAÇO. MARIA LÚCIA.

Tenho um hábito quase diário: sento-me na soleira da porta, vendo as galinhas ciscarem, volta e meia aparece um porco grunhindo perto da porta parecendo que está pedindo comida. Quase sempre no mesmo horário, por volta das cinco horas quando o sol está se descambando por detrás da "serra da raposa", a referida serra recebe este apelido por se parecer com uma raposa deitada. A porta que costumo sentar-me é a porta da cozinha que fica bem no meio da cozinha enorme de um casarão velho, que preferi preservar, não dando lugar às modernas mansões.

Sento-me e fico a pensar. Mergulho-me nas lembranças que me fazem ficar perdida por horas e horas como se não estivesse ali. Acordo-me quando Marina chama-me à realidade:

- Dona Francisca! Seu jantar está pronto. Vai jantar enquanto está quentinho. Fiz seu tutu de feijão que a senhora me pediu, apesar de estar contrariando seu filho que me recomenda muito sobre sua alimentação por causa do seu diabete.

- Ora, Marina! Não me lembre de diabete agora, hoje eu vou comer tutu de feijão pimentado, vou comer marmelada, depois eu tomo meu remédio.

- É, a senhora vai brincando assim com sua saúde, um hora aí, a senhora "bate o pacau" e aí, pronto, já era dona Francisca! - fala Marina sorrindo e fazendo gestos engraçados.

- Ah! Marina, se eu morrer, não vai fazer nenhuma falta, meus filhos estão bem encaminhados na vida.

- É, a senhora pensa que é só criar fio e ir para a "cidade dos pés juntos", não é não, e a fazenda? Quem vai cuidar?

- Se os meninos não quiserem continuar, eles vendem e empregam o dinheiro na cidade, compram apartamentos, fazem o que bem entenderem!

- Os "meninos" como diz a senhora, mas são uns velhos, mais véio que a minha vó, não querem nada com isso aqui não, ou a senhora acha que eles vão fazer o que a senhora faz. Tira leite, cuida de galinha, faz queijo, castra porco, cuida de carneiro, de ganso, de pato, de coelho. Parece até um jardim zoológico. Só falta leão, onça, elefante.

- Não falta não, olha só, o leão é o Joaquim "fura-latas", quando alguém lhe chama pelo apelido, parece um leão enjaulado e sem comer. Onça pode ser eu mesma e elefante é você, aliás, elefanta.

- "Oia" o respeito, dona Francisca, elefanta não, eu sou é muito "esbéltica".

- Ah! Ah! Ah! Só se for "esbéltica" mesmo! É esbelta, Marina!

- "Esbéltica" ou esbelta não interessa, só sei que o João "difunto", é doidinho mode eu!

A minha vida é rir de Marina, parece uma palhaça, faz-me rir o dia todo. Marina é uma velha que pesa mais ou menos uns cem quilos, diz ela que tem pra mais de oitenta anos, mas que nada, ela tem a mesma idade que eu, ou um pouquinho mais. Eu estou hoje com quarenta e nove anos.

Como estava dizendo, eu fico a pensar, se tudo que me aconteceu valeu a pena. Valeu sim pelos meus filhos que são maravilhosos: Juliano, Jorge, Juscelino, Jurema e Janete.

Vou contar-lhe a minha vida. Vou me abrir com você, contar-lhe todas as minhas alegrias, tristezas, mágoas, revoltas e tudo que uma pessoa possa ter passado, vivido e apesar dos pesares está viva, não feliz, mas conformada, não realizada, mas vendo os filhos se realizarem. Sou muito rica, minha fortuna é incalculável, às vezes até me esqueço o que eu tenho, mas queria que fosse bem pobrezinha, como alguns colonos que moram aqui nas minhas terras para ver se assim eu fosse feliz, mas enfim é a vida, é o destino, ninguém pode traçá-lo por completo, ele vem de encontro com a gente e não tem como desviar.

Maria Lúcia Flores do Espírito Santo Meireles
Enviado por Maria Lúcia Flores do Espírito Santo Meireles em 19/12/2006
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