Perdendo a cabeça

Na escola aprendi que pensar o pensamento dos outros é mais válido que pensar o seu, desde que não deixe que os outros pensem por você. Você pensa o pensamento do outro porque ele já provou o pensamento, então ele passa pela sua cabeça e assim é seu.

Minha maior alegria quando passava de ano era a possibilidade de conhecer colegas novos. Como era bom imaginar que teria mais amigos! Um ano com as mesmas matérias, as mesmas pessoas e tantos novos conhecimentos faziam de mim uma pessoa velha. Eu queria mesmo era desequilibrar, desequilibrar me dava equilíbrio. Minha mãe me ensinou a amar a escola, a escola tentou me fazer odiar minha casa. O importante mesmo eram as bibliotecas! Mas eu não quis acreditar, sei que nas bibliotecas moram muitas pessoas, mas nunca ousei me esquecer da minha família. Talvez não fosse culpa das bibliotecas, era mesmo o que falavam delas que me assustava. Sempre que eu conhecia alguém por lá, cobravam logo que eu contasse a vida toda do sujeito, eu não tinha o direito de guardar segredo, fidelizar a relação entre nós, eu não devia, minhas relações estabelecidas na biblioteca tinham que passar pelo aval da escola. A escola me fazia crescer e pensar que era grande. Eu cresci, cresci e fiquei cada vez menor! E fui sumindo, sumindo até me perder de mim só para sorrateiramente ir me encontrar com aqueles que sabiam onde eu estava. Todo mundo sabia onde eu estava, menos eu! Vamos estudar por que precisamos de uma identidade, não basta nascer e ser, tem que saber! Saber o quê? O que os outros querem que você saiba! É assim que funciona na escola. E quando percebem que você diz o que eles querem ouvir, finalmente você conseguiu parecer alguém, até então somos corpos à procura de cabeças. Eu só nunca entendi como o corpo acha se não tem cabeça! Porque eles sempre disseram que corpo sem cabeça não anda, mas nós deveríamos ir andando até encontrar a cabeça, pois ninguém nos trazia, e quando por compaixão dáva-nos uma cabeça, desaprendíamos a andar.

Na escola quem tem cabeça é gente! E depois que ganha cabeça, se quer perdê-la, mas é tarde. Nenhuma cabeça suporta voltar à limitação de corpo! O mais engraçado é que depois que encontrei minha cabeça eu fui a última a saber. O ato consciente de não ser só corpo é doloroso! Ainda existem aquelas pessoas que não se simpatizam com sua face. Mas para mim já é demais ter que fazer cirurgia plástica, prefiro trocar de expressão, mas isso a gente não aprende na escola.

Depois que se entra na escola só se deve sair quando está apto para usar a cabeça. Até se adaptar ao corpo tem gente que vive de cabeçadas, gente que quer contrabandear cabeça, colocar várias para um corpo só, mas isso também não se faz antes de ter uma, quem tem só corpo primeiro quer é ser gente. Quem é gente não se contenta com a cabeça que tem. Quem tem mais cabeça é gente grande e todo mundo que tem cabeça gosta de crescer, a não ser que prefira se perder para ser corpo.

Para quem está na escola sabe que isso é quase uma aula de anatomia e pode ser que seja de filosofia também. Porque uma vez um certo filósofo disse que toda a gente tem corpo e alma e que a alma fica na cabeça. Coitados dos corpos andantes! Até a filosofia não lhes deu maior identidade do que aquela que se encerra em si mesma: a de corpo.

Quando se quer mudar de escola, colocam sua cabeça na guilhotina e é uma espécia de jogo, ou você tem a cabeça que eles querem ou você perde a cabeça, ou com muita habilidade não se fere pela guilhotina. Habilidade também é coisa que não se aprende na escola, mas a escola explora dela. Ter a cabeça que eles querem é saber falar o que eles querem ouvir, porque às vezes não se reconhece uma cabeça só de olhá-la.

Tem escola para cada tipo de cabeça! Depois de passar pela guilhotina, todas as cabeças se reunem para transformar a escola, mas não percebem que já foram transformados por ela, e por isso estão lá. Parecem cachorros quando correm atrás do rabo, julgando por ameaça aquilo que lhes é próprio. Se alguém consegue desaprender o discurso da escola é como o cachorro que mordeu o rabo. Bingo! Mas é bem provável que ele sinta dor! Por ocasiões pode-se falar para ninguém além da própria cabeça. Porque ouvir o discurso contrário da escola, gera o movimento involuntário de "correr atrás do rabo" e tem quem não queira se ferir.

Ninguém nunca soube que eu não gostava da escola. Gostava mesmo era de usar a cabeça fora dela, só ia lá para ganhar o nome de gente. E de tanto ir à escola agora eu entendi que eu não sou ninguém.

Indy Lispector
Enviado por Indy Lispector em 19/09/2011
Reeditado em 20/12/2011
Código do texto: T3229044