Uma professora imprevisivel
Minha professora Anilde era o que se podia chamar de uma pessoa extremamente imprevisível. As pessoas quando passam a conviver juntos por algum tempo quase que diariamente passam a se conhecer, e saber prever certas atitudes do outro, mas com a professora Anilde a coisa era muito diferente. Se ela anunciasse que teria prova amanhã, você jamais saberia se teria mesmo, e se tivesse qual seria o teor desta prova. Algumas tinham apenas uma pergunta, outras tinham cinquenta, então era recomendado que sempre que ela anunciasse uma prova você estudasse tudo, mas tudo que você pudesse mesmo, o problema é que as vezes ela chegava na aula olhava para nós e já entregava a prova, aquelas tais provas surpresas que não deixa você se preparar e ai já viu né.
Uma quinta-feira tinha prova. Eu não me preocupava. Sempre me dava bem em historia, sempre gostei da matéria, acho que é um dos assuntos que mais me interessam. Estava preparado, como minha índole de falso CDF mandava. A aula começava às 19 horas, eu cheguei uns 15 minutos antes, e fiquei sentado próximo da sala de aula, todos estavam apreensivos, com medo, mas eu estava tranquilo, sem dúvidas iria arrebentar naquela prova.
O primeiro sinal já tinha batido, quando ia entrando na sala Maria uma ruivinha do segundo ano me alcançou um bilhete perfumado, mal sabia eu que aquele bilhete seria o meu carma naquela noite. O dito era de Lindinha, a menina que eu estava tenteando desde a sexta série, ela nunca tinha me dado uma chance, e agora aquele bilhete que dizia que ela queria falar comigo às 20 horas numa pracinha que havia perto da escola. A minha vida entrou num dilema, de um lado a prova da Anilde, do outro as pernas roliças, os lábios carnudos e corpo empinado dentro de uma de uma minissaia que era a marca registrada de Lindinha. A disputa era injusta para o lado de minha querida professora.
Tinha uma hora, não haveria problema. Terminaria em uma hora a dita prova, eu tinha me preparado, e depois iria para meu sórdido encontro. A professora entrou na sala, e junto com ela entrou uma escritora que veio vender livros. A mulher começou a fazer propaganda de seus livros, confesso que eu nem prestava atenção em nada que ela dizia. A turma ao contrário de mim, com a ideia de que quanto mais tempo a mulher ficasse, menos chances de termos a prova naquele dia teríamos, começou uma chuva de perguntas para a mulher. E ela respondia todas, você não tem noção, ela respondia mesmo, com muitos detalhes e muitos minutos comidos em cada resposta, e assim o tempo ia passando. Já faltavam 10 minutinhos para as 20 horas quando ela saiu da sala. A professora ainda falou alguma coisa sobre o livro, e começou a distribuir a maldita prova.
Juro que tentei persuadi-la a deixar a prova para uma próxima oportunidade, mas ela era irredutível. Quando peguei minha prova, um ar frio entrou na minha coluna e tenho certeza que comecei a soar feito um cavalo de corrida. A avaliação tinham cem questões, isso mesmo cem questões. O detalhe era que a dita cuja era toda de marcar verdadeira ou falsa.
Balanceei minha situação. Uma nota ruim eu poderia recuperar no próximo trimestre, mas a Lindinha eu levaria mais cinco anos no mínimo para conseguir esta façanha. Nem me olhem assim, se vocês conhecessem a Lindinha me dariam razão, ela era mesmo um piteuzinho como nos costumávamos dizer. Peguei a prova e coloquei verdadeiras em todas, sem ler sem nada, usando a logica quando você tiver uma prova de verdadeiro ou falso a probabilidade de ter mais falsas que verdadeiras é minima. E depois me mandei.
Cheguei 20 horas e dois minutos na praça e lá estava Lindinha, com sua minissaia e seus lábios carnudos. Naquele momento eu tive a certeza que fiz a coisa certa. Aproximei-me, com um caminhar de galã, um olhar de Antonio Banderas, com um gingado de Brad Pitt, a beleza que seguia sendo a minha mesmo que não ajudava muito... Sentei do lado dela sem falar nada. Naquele momento estava redistribuindo o meu orgulho pelos cinco anos que corri atrás dela, queria que ela falasse primeiro, e imaginem vocês, ela falou:
- Sabe Jonas, eu acho você muito querido – Quando uma mulher te chamar de querido saiba que ela quer dizer idiota – e somente para você eu pediria uma coisa dessas.
Naquele momento se eu fosse um cachorrinho, minha caldinha estaria a mil por hora, girando tanto que eu poderia até levantar voo. O que ela pedisse certamente eu faria.
- O que? – Falei gaguejando.
- É que eu estou apaixonada pelo teu irmão...
Não deixei ela terminar, levantei e me mandei, com a certeza que nunca mais olharia na cara daquela mulher, onde já se viu me mandar um bilhete perfumado para dizer que estava apaixonada pelo meu irmão.
Meu coração estava despedaçado, mas ficou ainda mais quebrado na outra semana quando descobri que a prova da professora Anilde era toda falsa, e eu tinha errado tudo por nada. A professora Anilde era mesmo imprevisível.
Jonas Martins
Enviado por Jonas Martins em 15/10/2011
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