A Máquina do Tempo...

(sic ) “O futuro a Deus pertence, Leozinho. E a mais ninguém...”

Era o que a querida Vovó Celeste costumava dizer sempre que se deparava com os devaneios futuristas de Leozinho.

Mas Leozinho, no afã de antecipar o futuro, fazia ouvidos moucos às ponderadas palavras de Vovó Celeste. Leozinho queria porque queria apressar o tempo. Mas o tempo, sábio que só ele, não dava a mínima para a ansiedade de Leozinho, e, no compasso dos ponteiros do velho relógio de parede, caminhava sem pressa alguma, como se nada tivesse para fazer, como se não apenas o Céu, mas também o Mar, a Terra e até mesmo as Estrelas pudessem esperar...

(tic tac; tic tac; tic tac…)

(...) Mas, esperar o quê!? Quem sabe pelo dia em que alguém inventasse uma máquina capaz de fazer com que o tempo andasse mais ligeiro, e, de uma vez por todas, lhe revelasse o futuro, aquele mesmo que Vovó Celeste dizia só a Deus pertencer...

Leozinho era um menino bem informado, “plugado” nos acontecimentos de um mundo pontocom, e, por isso mesmo, tinha plena consciência de que, de uma hora para a outra, tudo poderia ir pelos ares... Afinal, nunca se viram tantos sinais de perigo; testes atômicos, experimentos com armas químicas e bacteriológicas, o aquecimento do planeta, o insano desmatamento, a escassez de água potável, o cruel e irracional extermínio de animais, etecetera e tal...

(...) “Já sei. Preciso inventar uma máquina capaz de, num piscar de olhos, revelar-me o futuro.”

E, naquela mesma manhã, ao lavar o rosto, Leozinho teve uma ideia, e, sem que ninguém soubesse, muito menos a querida Vovó Celeste, começa a projetar o que, segundo ele, seria a mais revolucionária de todas as invenções; a tão propalada e ambicionada máquina do tempo.

O seu projeto era bastante simples; consistia em um tubo com espelhos acoplados a ambas as extremidades, algo similar àquele periscópio que, com cartolina, goma arábica e uma boa dose de curiosidade aprendera a fazer na aula de Artes do bom e paciente Professor Octacílio Brandão.

Dito e feito. Leozinho mergulha de cabeça naquele ousado plano e põe-se a construir a sua máquina do tempo.

Como era de se esperar, ao olhar pelo tubo, Leozinho não via outra coisa, senão a imagem dos próprios olhos... E aquilo pouco, ou, quase nada lhe dizia.

Até que de repente, uma melodia vinda da rua, invade o silêncio do seu quarto de estudos. Leozinho, atraído pela harmônica sonoridade que se espalha pelo ar, corrre à janela do sobrado, e, sem querer, parece ter encontrado a segunda resposta que tanto procurava, e, tal qual Arquimedes(1), sai alardeando aos quatro ventos,

Heureca!!! Heureca!!! Heureca!!!

Era um realejo a tocar sem parar... Isso mesmo. Faltava-lhe uma manivela. Com ela, Leozinho poderia ir para a frente, isto é, para o futuro muito mais depressa do que os indolentes ponteiros do velho relógio da parede.

E, se fosse acionada para trás, Leozinho ainda revisitaria a história, seus mitos e heróis... Enfim, Leozinho seria o Único e Todo Poderoso Senhor do Tempo...

Agora, era hora de arregaçar as mangas e mãos à obra...

Felizmente, Leozinho não estava só naquela ousada empreitada; contava com a ajuda de seu colega de classe, Cezinha, que, em princípio, não tinha pressa para nada, nem a menor preocupação com o tempo, e, menos ainda, com o futuro.

O negócio de Cezinha era “bater uma bolinha” na quadra bem em frente à sua casa. De qualquer forma, era o único com quem Leozinho podia contar...

E, levado pelo entusiasmo contagiante de Leozinho, Cezinha ia, pouco a pouco, deixando-se envolver por aquela ideia até que, em determinado momento, já não havia mais caminho de volta. A máquina do tempo tornara-se um grande desafio, quase uma obsessão para ambos...

Com um único movimento para a frente ou para trás, Leozinho e Cezinha acreditavam que poderiam viajar pelo tempo; reviver o passado, entender melhor o presente, e, se possível, reescrever um futuro de paz e harmonia para toda a humanidade...

E como Leozinho e Cezinha só queriam o bem de todos, acreditavam que o bom Deus, a Quem Vovó Celeste dizia o futuro pertencer, não se importaria com isso, e até lhes daria “uma mãozinha”...

Logo, Leozinho passa a sonhar com o seu invento exposto em feiras de ciências, bienais; com entrevistas nas emissoras de rádio e televisão, nos jornais e nas páginas virtuais dos computadores de plantão...

Mas, a dura realidade é que, depois de dois meses, a máquina do tempo não passava de uma insólita e inacabada engenhoca sobre a prancheta do quarto de estudos de Leozinho... até que um dia, que tinha tudo para ser apenas mais um dia, Cezinha, com o otimismo que o caracterizava, chega esbaforido da rua e vai logo falando:

“Tive uma ideia, Leozinho”. “Tive uma ideia...” Vamos cronometrar o dia como se fosse um jogo com dois tempos... Vamos colocar um despertador na máquina, e dar-lhe corda. E, assim, todos os dias, à meia-noite e ao meio-dia o despertador vai disparar.”

“Eu sei, mas e daí, como saberemos do futuro!?.”, perguntava Leozinho, ansioso, e já transbordando de curiosidade...

“O futuro será sempre o próximo despertar.”, responde entusiasmado Cezinha, que, àquela altura, parecia já ter respostas para todas as questões...

“Ah! para com isso, Cezinha . Todos vão rir de nós.”

“Não, não vão, se nós provarmos que o futuro é agora.”

“Olhe atentamente através do tubo, Leozinho.”

“Eu não consigo ver nada além dos meus olhos.”

“Pois aí é que está o futuro, Leozinho. Nos nossos próprios olhos...”

“Ah! Cezinha. Deixa de brincadeira... Desse jeito não chegaremos a lugar algum...”

“Mas não precisamos sair daqui, Leozinho. O futuro virá até nós. Vamos voltar à máquina.”

“Olha, vem ver, Leozinho. Estou vendo o mundo em 2110”

“Como assim !?”

“Dá só uma olhada.” Reticente para não dizer incrédulo, Leozinho aproxima-se da máquina. Você não está vendo as pessoas andando de jatinhos daqui prali, dali pracolá, pedestres com mochilas voadoras, motocicletas e automóveis alados!?

“Como assim, alados!?”

“Com asas, Leozinho.”

“Não Cezinha, não vejo nada disso.”

“Feche os olhos que você vai ver.”

Leozinho, agora de olhos fechados, com Cezinha no “manche de comando”, deixa-se levar pelas asas da imaginação...

“Está vendo agora, Leozinho !? Olhe bem, já estamos em 2109, e, em breve, chegaremos a 2110...”

Um momento de silêncio precede o argumento final de Cezinha:

“Pois é, Leozinho, faltava-nos lubrificar a máquina com um fluido chamado fantasia...”

Leozinho fecha os olhos, e ao aproximar-se novamente do tubo de cartolina, alguém, inesperadamente, bate à porta.

Toc toc toc toc toc...

“Acorda Leozinho. O Cezinha já está te esperando na sala. E o pai dele não para de buzinar.”

Fon fon fon fon fon...

“Desse jeito, ele vai acordar toda a vizinhança, Leozinho. Anda logo, menino. Já são quase sete horas e você nem tomou o café da manhã. Assim, vocês vão chegar atrasados para a aula de Ciências...”

Leozinho, então, levanta-se e, ainda sonolento, enquanto passa pasta na escova de dentes, sem que ninguém o ouvisse, sussurra,

(...) Que pena ! E 2110 estava logo ali.

(...) Acho que Vovó Celeste tinha razão. E, em um segundo momento, conclui,

(...) Vovó Celeste sempre tem razão.

“Vamos Leozinho, vamos logo que o tempo não espera por ninguém... Anda logo, menino...”

“Já vou, vó. Já vou, vó...”

FIM.

Conto de Zizifraga.

Outubro de 2010.

Nota:

(1) (212 – 287 a.C.) Inventor e matemático grego, nascido em Siracusa, Sicília, e morto durante a invasão romana àquela cidade.

Zizifraga
Enviado por Zizifraga em 16/10/2011
Reeditado em 25/02/2013
Código do texto: T3280641
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