REBELIÃO NA CADEIA




Puxado por um safanão, zonzo pelo catiripapo, o bêbado transpôs a porta assim cata-cavaco como daqui para ali, espraiou-se no cascalho da rua. Nunca mais moveu um dedo. No lugar, o vomitado de sangue preto correndo da boca.

Brabo como se via, ainda o Cabo rosnava vantajoso, porque, repetia ele, tinha perdido a paciência com a bebedeira correndo frouxa pelo Lugarejo. Lei, dali por diante: ao fulano de porre, porrete.

Encarou para o caído lá na rua, veio ao balcão e espalmou:

— Por-re-te!

Como nos tempos do Delegado. A paciência, que era boa, babau. Doravante, tratamento adequado, na medida certa, para os vadios da pinga. E veio de novo ao cascalho rever o caído, quem de fato não movia um dedo. E foi até o balcão, não bateu. Reviu o cascalho, duvidou da evidência. Mas, as costas viradas para o derrubado, ditou a lei.

— Por-re-te...

Assim, cada quando, o Cabo foi perdendo o jeito da pose. Falava mas era mais manso. Conforme o pinguço demorava arribar-se do chão, Cabo mais amarelo. Depois refletiu direito: precisava ter batido mais devagar.

O dono do boteco passou aquele tempo recuado no canto de cá, esperando a polícia no que ia dar. Vindo a brecha, com o Cabo plenamente em si, escapuliu de-banda e saiu para a rua constatar a morte do freguês. Ali, o povo rápido se aglomerou junto, bem indignado, só querendo notícia de quem agiu contra o Genezião.

O mais longe e no lugar restante, o Cabo buscou o refúgio apropriado e não se conformava. Genezião não valia os trapos das roupas. Vadiou agarrado na pinga, mas vinha agora constatar o povo entendendo outra coisa, relevando. Assuntava como gesticulam todos quantos os bravos, dando valor ao caso. E de quem se pede o couro, senão o dele, Cabo da polícia?

Genezião sempre se viu imprestável. No seu normal, cambaleante, tropicando as pernas pelas ruas, passou dependurado no bico das garrafas. Desocupado, mas... e o dinheiro de beber? Quem lhe arruma? Hein? O dinheiro de beber, empanturrar até se largar no chão, quem lhe faz questão de oferecer?

O povo. Esse mesmo povo, quem patrocina a bebedeira.

Coisa de uns anos para cá, quando a situação saiu do controle. Porque, antes, nos tempos do doutor Delegado, ora, o caso era muito diferente. Viera a lei, Genezião se vira no trato e tivera de declarar, um a um, todos quantos lhe pagavam para beber. A fim de evitar a reincidência, e para ninguém alegar a ignorância, logo a autoridade mandou o cachaceiro troteando no frente do jipe, mencionado os seus mais chegados.

Delegado tirava a cabeça pela janela da viatura, perguntava repetidamente: “- Genezião, quem lhe paga para beber?”

Sem escapatório, o delator bradava: era um, e outro, e mais outro, todos.

A cabeça para fora do jipe, quem, Genezião?

Repetia: era um, e outro...

Depois desse porre, Genezião largara a cadeia mas de enxada na cacunda, vindo capinar o carrapicho do Largo. Baseando hora do almoço, o Jipe encostara para conferir o rendimento. Genezião demonstrava indícios alcoólicos. A Autoridade virara fera, vociferando na exigência do nome do patrocinador.

Era o Fulano. E era o Sicrano. E era o Beltrano... Imediato, o Largo mais parecia um mutirão de gente grudada na enxada, uns até graúdos da sociedade, capinando lado a lado com o Genezião. Para o povo compreender a lei.

Genezião se vira dar a essas serventias, pelos mandos da autoridade. Cada embriaguez custara-lhe cuidar da coisa pública, até ver o quanto a pinga não lhe era bom negócio. Vinha passando pela recuperação.

Lugarejo, pode-se jurar, tivera o seu tempo de organização. Quem contesta? Por aqui passara um braço-de-ferro. Mas o doutor Delegado derrapara na política errada. Pegara a transferência, e o resto todo mundo sabe.

Genezião, de lá para cá, só viera recaindo. E o povo favorecendo. E agora quer latir e morder. Cabo teme pelo pior, pois a cadeia poderá vir abaixo.

Linchamento.

Demorando o reforço da Comarca, aqui no Lugarejo será a desgraça. A situação não é boa na cadeia.

Acuado e espremido, o Cabo raciocina. Não devia era ter agido com a raiva acumulada, batendo na nuca , a mão cheia. Fácil do elemento não agüentar.

Baita confusão.

Um catiripapo num infeliz vindo de perrenguice crônica. Organismo falido. O inchaço nos pés. A barriga estufada. Os olhos empapuçados. Tudo, a feição da cirrose, onde todo mundo constatava: morte, questão de um dia mais, um dia menos. Condição esperada. Pescoção na nuca foi uma antecipação disso caminhando em vias. Indivíduo agarrado à cachaça desde o princípio, um vício encalacrado, nem a autoridade para dar fim realmente, qual o organismo não estoura?

Esse povo, agora, prestigiando um vadio sem validade. Ninguém para testemunhar quem o tivesse flagrado dando milho às galinhas ou puxando uma gata pelo rabo.

Essa gente quer despicar pelas contas de um quem?

Genezião faliu é estourado por dentro. Cirrose. O mesmo fim ia ter nas mãos do Delegado, enquanto pagasse um delito, varrendo a cadeia ou catando estrumes dos cavalos na rua.

E esses aí fora agitando sabem, com o doutor ninguém vinha tirar satisfação, explicar o caso.

Atrasando o reforço, cai a cadeia. Puta motim. Justo com ele, Cabo, quem prestou afazeres ao sossego dessa gente mal agradecida. Sempre largando até das horas com a família, para ocorrer aqui e ali, num serelepe de quem vive com a consciência de ter de estar em todo lugar a todo momento.

Justo com ele, Cabo, agora sem as forças do doutor Delegado, enfraquecido na opinião equivocada desse povo.

Costume antigo, prestigiar Barrabás.



Conto integrante do livro "Fulanos e Sicranos", 2ª edição.
Milton Moreira
Enviado por Milton Moreira em 01/11/2011
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