Nenhum Adeus

Ele entrou atrasado na sala e malhumorado respondeu grosseiramente a professora que lhe deu de troco um esporro muito bem vindo.Pediu desculpas e sentado mudou o tom e ficou durante aula sem dizer nada. De frente com a minha carteira olhei-o nos olhos e vi ressentimento sem fim, talvez houvesse brigado no trabalho, reclamou algo a respeito. Eu sabia que não era pra mim, parecia figurinha repetida, mas por isso mesmo o desejei naquele momento. Ele era o retrato daquela dor que sentia, mas apenas quem conhecia bem as pessoas poderia perceber o que ele dizia com os olhos.

As ausências nas aulas eram constantes, quase não vinha e quando aparecia era sempre do mesmo modo; para entrar atrasado no início e sair adiantado ao término da aula. A angústia de me aproximar a qualquer custo anteviam que ele era passageiro e que não iria ficar. Ele deixava transparecer que a morte do pai o destruía. Seu pai não lhe oferecera muito, mas foi tudo o que teve. Na última aula que freqüentou vestia a camiseta azul do palmeiras que era do pai. Não era a sua preferida, mas era uma recordação. Talvez assim ficasse mais próximo ou talvez apenas menos distante.

Sua dor era aumentada porque rejeitava sua família enquanto tentava compreender tudo o que se passou até então. Ele e o seu irmão se tornaram órfãos muito antes da morte do seu pai. O relacionamento que seu pai tivera com sua tia lhe trouxera duas irmãs, e uma lacuna de um pai ausente que nenhuma droga jamais iria preencher por mais que ele tentasse. A esperança, o alívio viera com o carinho da namorada que ele próprio estava aprendendo amar- já que até então nunca lhe fora ensinado o verdadeiro significado do amor. Juntos iam para a igreja. Ambos tentavam encontrar um caminho, um alivio, uma solução que não se sabia ao exato como nem para onde seguir.

Sem terminar os estudos e com a mãe doente em casa, a namorada também padecia em vida.E de mãos dadas seguiam para ouvir palavras sagradas que pudessem iluminar os seus caminhos. Não possuíam emprego, naquela semana ao invés de ser registrado, ele fora demitido após seis meses no mercado. Depois disso, deixou de pegar emprestado o bilhete de ônibus do amigo para poder ir as aulas, não valia mais a pena, já não entendia as lições, não entendia o porquê de continuar.A vida prosseguia com suas cores cinzentas em algum lugar daquela periferia. Ele nunca mais apareceu.

Mariana Montejani
Enviado por Mariana Montejani em 14/11/2011
Código do texto: T3334590
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