Um menino comum

A história que vou lhes contar aconteceu há tanto tempo, que muitos detalhes já se perderam.

Havia um menino cuja janela do quarto dava para uma rua bem movimentada, daquelas de onde se pode ver todo tipo de coisa.

O que mais se destacava era a correria dos trabalhadores apressados para não chegarem atrasados ao serviço, dos vendedores ambulantes carregados até a cabeça, das outras crianças indo à escola.

A respeito das crianças, o menino podia observá-las cedo porque estudava no período vespertino. Sua mãe quis assim, pois ela tinha ouvido dizer que a professora da tarde era mais rigorosa, ou seja, ensinava melhor.

Apresentada a mãe, deve-se contar algo sobre o pai. A única coisa de que ele pode se lembrar no momento era de ter ganhado do pai uma camiseta de time, em um fim de tarde, pouco após voltar do colégio.

Apesar disso, nunca conseguiu torcer para aquele time. Ou melhor, nunca conseguira torcer por time algum. Esforçou-se algumas vezes tentando copiar, sem sucesso, os gestos das outras pessoas ao vibrarem com um gol.

Igualmente, já tinha tentado remedar a atitude que todos têm ao falarem com seu bichinho de estimação; e tentado dormir com o cachorro da sua noiva. Contudo, não funcionou. Não era medo ou nojo, você pode pensar. Simplesmente não compreendia.

Um psicólogo precipitado sentenciaria ausência de sentimentos, de coletividade, de afeto.

No entanto, para ser sincero, ele transbordava sentimentos, suficientes para precipitarem uma porção de lágrimas nesta carta.

A noiva é uma de suas melhores memórias. Não se sabe por que romperam, parece que ela teve de se mudar de cidade, acompanhando a família. O menino, agora rapaz, logo em seguida namorou uma garota que trabalhava na vizinhança, mas também não deu certo.

Pouca gente conhecida ele tinha visto falecer. Nenhuma exatamente próxima. Não foi esse um sofrimento que ele conheceu.

Ao ser deixado pela noiva, nem teve tempo de pensar nisso na hora, precisou correr também para o trabalho, como assistia de camarote, nas manhãs da sua infância.

Hoje ele foi despedido do trabalho. Sem justa causa. Sem ter dado motivo. O chefe apenas informou a decisão, no fim do expediente, gentilmente dispensando-o de cumprir os dias do aviso prévio, receberia tudo devidamente.

Aquele não era mesmo um serviço importante.

Minha morte será a minha vingança.

Luis Nei Junior
Enviado por Luis Nei Junior em 15/11/2011
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