Adeus, Robospierre!

Robespierre? - o que é isto? Um nome francês em um operário brasileiro. Sim! Um brasileiro operário; torneiro mecânico. Por que não Paulo, Fernando, Diego? Talvez uma mãe com inclinações a xenofilia? Isto! Uma mãe xenófila e um pai bêbado, operário e francês exilado. As pessoas o chamam de Pierre por acharem melhor assim. Quem se importa? Na sua infância o chamavam de Robô; na sua adolescência de Robozo; agora com trinta anos e a barba por fazer o chamam simpaticamente de Pierre.

Quando chega a idade em que você já não se importa em conservar certa rotina nos botecos; não se importa em pegar o ônibus com as roupas sujas do dia trabalhado; aceita pacificamente o desdém de uma mulher que engorda diariamente enquanto assiste TV e, sobretudo, abandona para sempre as leis de Kant no inconsciente fugaz de Freud, Pierre até que cai bem. Ou "Pi" ou "Erre", tanto faz.

Robespierre sempre se perguntou por que nascera com tamanha indiferença mediante ao mundo que o permeava, ou melhor, por que “desenvolvera” tamanha indiferença para com as pessoas que o mediavam. Todos queriam sua presença, mesmo taciturno, mesmo sem conseguirem encontrar seu olhar.

Queriam suas poucas palavras comedidas.

Muito raramente dois olhos grandes e castanhos se abriam para o mundo e as pessoas podiam contemplá-los por dois ou três segundos até que a cabeça que os sustentavam se voltava para o chão.

Evidente.

Indubitável.

- O que mais, Robespierre?

- Óbvio!

Tudo era claro, a vida era uma bosta. O único fato que lhe era empírico: A bosta da vida! O seu trabalho era desgastante. Sua mulher, que um dia fora linda com aqueles olhos penetrantes e um corpo indiscutivelmente sensual, transbordando volúpia, agora engordava morbidamente; seu corpo não lhe dava mais prazer; as conversas eram cada vez mais esporádicas e as brigas, portanto, insólitas. Ás vezes, por alguns segundos, ela parava de comer e de ver TV quando ele chegava do trabalho e dizia: Você pagou a conta de luz, Pierre? Não? Tudo bem, deixe o dinheiro na escrivaninha, amanhã vou até lá. Cozinhei uns ovinhos para você. Ou então: Pierre, aquele filho da puta do seu Antônio disse que viria regular a antena e não apareceu, você tem o numero dele?

Como um homem que pensava todos os dias em estourar os miolos na cozinha de sua casa poderia digerir aquelas palavras vagas? Como ele arrancaria da cabeça aquele turbilhão frenético que a vida lhe concebia diariamente? Como alguém pode estar morto e ir trabalhar todos os dias, insepulto? Quem era aquela mulher estirada no sofá como se o mundo não existisse fora daquela caixa preta sensacionalista que segurava uma arma invisível na cabeça das pessoas? Esta era a vida do descendente francês, morando no interior do Paraná, num país do qual não havia pós nem pré's, só estava na merda de sempre, dançando carnaval, em meio a cabeças obtusas e corpos pelados, enquanto trabalhadores fadados à intensa depressão e esquizofrenia batiam palmas ao colorido brilhante que emanava dos corpos nus de dentro de uma televisão. Mas Robespierre estava ali, como qualquer outro trabalhador que se masturba vendo desfiles de lingerie na TV aberta. Bem aberta.

Ele se perguntava, Pierre se perguntava, Robespierre, Robô, Robozo, seu superego se perguntava:

O que querem vocês de mim além dá minha alma surrupiada? Por que querem me olhar nos olhos, bem na bola dos meus olhos e apreciarem minha desgraça?

Nós todos cometemos erros e o primeiro erro que ele cometeu na vida foi se encontrar com Spinoza, que escarrou nos seus ouvidos e lambeu seus olhos com a baba do Deus-árvore, fazendo-o desacreditar no único que um dia poderia lhe conceder a paz. Depois Freud o fez ter uma insônia eterna com a lucidez daqueles tão misteriosos sonhos dos quais acreditava ser obra sobrenatural. Agora, no fim do que ele considerava “longos trinta anos”, Hobbes cheira a sua bunda e diz que há um estado de guerra que, enquanto ser humano, lhe é inato. Então o faz sonhar acordado com o Leviatã assustador que entrou na sua cabeça e depois diz que é imaginação por falta de sono e que a guerra é um estado natural. Natural. Natural. Um segundo depois Karl Marx cai morto à sua frente sem dizer mais uma palavra de salvação aos operários, ou seja: Uma pessoa sem fé e afeto, num emaranhado de filosofias, que é ambígua por si só, uma tonelada de mão-de-obra sem sentido e uma mulher engordando num sofá surrado. Esta era a vida do o homem que se equilibrava com os braços abertos nas ferragens da passarela da BR 401.

Getúlio Vargas.

Marilyn Monroe.

Virginia Woolf.

Von Gogh.

Ernest Hemingway.

O que os atormentavam a vida?

A resposta final...

E agora Robespierre pularia sem nenhuma culpa.

Nenhum abalo sísmico.

Só um baque abafado e o fim de um emaranhado de problemas.

JimMorrison
Enviado por JimMorrison em 22/11/2011
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