O ADEUS

A VIÚVA ALEGRE

Sofia caminhava de mãos dadas com César, seu marido. Estavam no estacionamento de um prédio maravilhoso. Iam visitar uma possível cliente. Sofia e César faziam parte de uma “engrenagem” que vendia charme, elegância, satisfação garantida, com possibilidades de retorno financeiro. A lista de clientes era variada. Geralmente funcionários públicos de primeiro escalão, e classe média alta. Sofia adorava exibir-se com o maridão já grisalho, barrigudo, meio calvo. Estavam casados há mais de vinte e cinco anos.

A cliente era jovem, no máximo trinta anos, financeiramente independente, com possibilidades de futuras compras e juntar-se ao negócio, se viesse a comprar parte da representação. Sofia fez um verdadeiro interrogatório a moça. Queria saber tudo sobre sua vida. Se era casada, se tinha filhos, onde tinha estudado, porque optara por uma profissão tão difícil, a carreira de engenheira eletrônica, e outros pequeninos detalhes. César parecia estar fora de ambiente e procurava não se expor com a cliente.

Sofia era muito ciumenta e na maioria das vezes acompanhava César em sua segunda ocupação profissional para controlar o marido. César era engenheiro em uma empresa multinacional de fama internacional, tinha um excelente salário, e a vida financeira equilibrada. Sofia era advogada e funcionária publica. Ela era o tipo de esposa que preferia seu marido na coleira. Sabia que a segunda ocupação profissional era uma espécie de investimento para o futuro, até mesmo um alicerce para a terceira idade. Quando César resolveu investir suas horas livres em outra ocupação, Sofia desconfiava e não via a ideia com bons olhos, depois ele a convenceu que era uma excelente oportunidade de voarem mais alto.

Já em casa ela comentou com César: - Sem graça esta moça que visitamos. Tive até pena dela. Imagina ela me contou que está viúva há três anos. O marido parece que morreu de forma trágica. Ela contou-me que teve depressão e está em tratamento psiquiátrico. Foi a Janete que a aconselhou conhecer o “negócio”, pois de certa forma, seria uma maneira de conhecer “gente nova”. César sorriu com simpatia.

Sofia e César continuaram com seu trabalho extra, muitas reuniões nos finais de semana, jantares de negócios, mais reuniões, uma roda-viva sem parar. César estava muito focado no seu trabalho extra e sacrificava praia, futebol, chopinho com os amigos, e até mesmo estar com Sofia e os filhos se preciso fosse. Sofia era mãe e também dona de casa, e certas vezes dava graças a Deus de não precisar acompanhar seu marido.

Aconteceu em uma das reuniões de negócios. César estava sozinho sentado numa mesa a parte, enquanto observava as pessoas ao seu redor. De repente, seus olhos brilharam, ela entrou. Seu olhar acompanhou a jovem que procurava alguém, que não era outro se não ele. Mesmo, Ela era a jovem viúva deprimida que oito meses antes tinha sido convidada a conhecer o negócio. Eles se aproximaram um do outro. Não se importavam com os olhares alheios, estavam num outro universo, onde as palavras não podem fazer justiça ao enlevo que os envolvia e os conceitos como crime, pecado, castigo, não são imagináveis.

Após o término do evento eles foram para o novo apartamento da jovem que podemos chamar de Diana. Lá ela retirou as sandálias prateadas e rasteiras, sentou-se no sofá, enquanto César pegava na geladeira água gelada para os dois. Fazia muito calor. Ele perguntou a ela: - Feliz, meu amor? Ela afirmou com a cabeça com um sorriso lindo e provocante. Ele sorriu calmamente com a certeza de que nada poderia roubar-lhe estes momentos tão especiais ao lado dela.

Ficaram por algum tempo de mãos dadas no sofá. Conversando baixinho, trocando juras de amor eterno. Não perceberam que o tempo passara rapidamente. Já era mais de meia-noite. O celular de César estava desligado. Ele pegou o celular e ligou. Já tinha o roteiro todo ensaiado. O discurso para Sofia não podia ser improvisado, ela era muito inteligente e o mantinha sob controle. Antes de ligar para Sofia viu e ouviu a chamada perdida da filha mais velha. E depois mais duas chamadas dos outros dois filhos. Parece que os filhos decidiram todos ligar de uma vez. Ligou para o celular de Sofia, ela não atendia. Ligou para casa, ninguém respondia. Franziu as sobrancelhas, calçou os sapatos, sentindo-se pronto para deixar Diana.

Assustou-se com a fisionomia da amada, parecia que ela ia dar um grito, que estava sufocado na garganta. Ela começou a gemer baixinho, e colocou as mãos no ventre, como se terríveis cólicas a atacassem repentinamente. Ele a ajudou até o sofá. O chão estava todo molhado. Ela perdia líquido. Ele sabia o que fazer, já passara por aquela experiência outras vezes. Apenas alguns minutos os separavam da primeira contração e eles já estavam no hospital/maternidade, que era bem próximo ao apartamento de Diana.

Diana teve absoluto sucesso no parto natural. Já era madrugada quando ela começou a amamentar a linda filhinha que acabava de nascer. Sara, era a promessa de uma vida nova.

César estava ao seu lado curtindo cada detalhe da chegada de Sara. Ele estava cansado, preocupado, com uma frase martelando em seus ouvidos: - O que é que eu vou dizer em casa? A cada sessenta segundos de alegria, a frase voltava marcando uma dor profunda e fininha no peito: - O que é que eu vou dizer em casa? A dorzinha começou a incomodá-lo, não fosse o tamanho da alegria, julgaria que o coração pregava-lhe uma peça. Estava tão cansado que não conseguia sustentar-se em pé. Quando saiu do lado da cama de Diana e ia sentar-se no pequeno sofá ao lado, sentiu uma forte tonteira e foi ao chão. Desmaiou.

Diana assustada começou a gritar com Sara ainda no colo. Logo apareceram, enfermeiras, e dois médicos. Eles examinaram César rapidamente. Diana estava sem palavras. Eles o colocaram no sofá e tentaram reanimá-lo, sem sucesso. Diana informou que ele tinha convenio saúde naquele hospital e que poderia ser atendido ali mesmo. Eles o levaram para a Cardiologia. Diana recebeu das mãos da enfermeira o celular de César que tinha caído ao chão. Ligou para o celular de Sofia, estava na caixa postal. Procurou na agenda pelos números dos filhos e foi ligando até ser atendida por uma voz sonolenta. Era Marlon o filho caçula. Ela falou rapidamente sobre o estado de César, e que ele estava sendo atendido na Cardiologia do Israelita, sem dar maiores detalhes.

César permaneceu internado na unidade coronariana por dois meses. Estava em coma. Sua pele tornara-se pálida e flácida. Seus olhos sempre cerrados, não podiam mostrar a Diana o brilho do amor que antes lhe dedicava. Ela o visitava as escondidas. Com a ajuda de uma amiga de infância que era enfermeira, ela conseguiu fazer um esquema, burlando o controle de Sofia e o via razoavelmente. Diana vivia a incerteza dos que amam com desespero e paixão, um amor clandestino. Não o veria mais? Não ouviria mais sua voz? Ele iria sobreviver? Era tão intenso o sentimento. E havia Sara, quando ela abria aqueles dois olhos azuis parecia que mergulhava no olhar de César.

Durante todo o tempo que César esteve internado, Sofia se perguntava sem encontrar explicação. O que realmente acontecera naquela noite. César não tinha voltado para casa. Ele já estava no hospital. Alguém tinha ficado com o celular dele e avisado a Marlon. Uma mulher, e... Quando ele acordasse, ela iria tirar essa história a limpo.

Com a doença de César muitos fatos ocultos da vida do marido começaram a ser revelados. Ela soube por um dos melhores amigos dele que ele inscrevera-se num plano de demissão voluntária da firma em que trabalhava e havia passado (vendeu) a gerência de seus negócios e sua carteira de clientes para uma mulher, quinze dias antes do infarto. A mulher era uma jovem viúva que havia pouco tempo entrara para o negócio.

César voltou para casa. Estava doente, mas cheio de planos, esperança e fé no futuro. Sofia não perdeu tempo. Foi direto ao assunto: - Eu só estava esperando você voltar, pois na minha casa você não vai mais ficar. Você pensa que eu não sei de nada, está muito enganado, eu sei tudo. Ela me contou. Naquela noite que você passou mal, estava com ela a sua amante. A Janete, só pode ser ela. Eu não vou mais fazer papel de boba. Pode ir embora agora. Suas malas já estão prontas, eu vou pedir o divórcio, já falei com o advogado, quando estavas no hospital. Quer que eu chame o táxi? Ele ficou parado em frente a ela sem falar nada. Também falar o que?

Eles se divorciaram rapidamente. César com o inesperado da situação foi morar provisoriamente na casa de João seu irmão caçula. Sua vida estava completamente modificada. Uma paz tão grande revelou-se para sua existência. Não precisava mais dar satisfações a todo o momento de seus atos para o controle desmedido de Sofia, e também podia ver Diana e Sara com frequência e juntos partilhavam os primeiros passos da menina.

Certa vez no toalete de um restaurante, Sofia encontrou Diana e Sara. Arriscou começar um interrogatório, quando prestou atenção ao olhar azul da menina. Lembrava-se daquele olhar de algum lugar, não sabia onde, com a atenção desviada para o olhar de Sara, sorriu levemente para Diana e disse: - Vejo que você está feliz. Diana apenas respondeu: - Sabe eu sou uma viúva muito alegre. E saiu com Sara pela mão. No estacionamento quando Sofia entrava no carro, deparou-se de novo com a viúva alegre, sua filhinha de olhos azuis, e César. Não, não podia ser! César!

O que Sofia jamais soube era que Diana jamais fora viúva, nem triste. Aquela cena foi proposital, pois César não encontrara outro meio de apresentar a Sofia uma jovem como Diana sem despertar-lhe ciúmes.

O ADEUS

Do universo incompleto de seus cinco anos, Tereza observava o que se passava ao redor. Seus olhinhos curiosos gravavam para sempre todas as cenas que assistia na sua casa naquela tarde de primavera. A atmosfera estava pesada, anunciando algo ruim. A casa estava lotada de amigos, conhecidos e parentes. Parecia que ia ser uma grande festa. O médico que fora chamado mais de uma vez naquele dia, já estava sem esperanças em recuperar aquele doente crônico.

Encolhidinha num canto Tereza filmava tudo. O pai, Seu Cipriano pedia à mulher que lhe arranjasse a cama, o travesseiro bem alto. Depois que a esposa terminou seus preparativos e esticou bem o lençol da cama, Seu Cipriano sentou-se na cama, fez o sinal da cruz, recitou breve oração, e cruzou as mãos e levou-as ao peito, enquanto olhava para o teto, acima de seus olhos, pois estava todo esticado em cima da cama. Pronunciou apenas estas palavras: - Agora me vou! Fechou os olhos e acordou numa terra toda iluminada por um sol permanente t

Aradia Rhianon
Enviado por Aradia Rhianon em 02/12/2011
Reeditado em 12/12/2011
Código do texto: T3367643
Copyright © 2011. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.