Presente para vovó

O menino entrou decidido na loja de Seu Israel.

- Seu Rael, eu queria um desses véus que as mulheres usam na cabeça no dia da missa. Um bem bonito.

- E prá quê você quer um desses véus, menino?

- É um presente para vovó usar no dia da procissão, na semana que vem. Ela tá se queixando que o dela está rasgado.

Seu Israel mostrou o estoque de véus para o menino.

Naquela cidade era exigência da Igreja as mulheres usarem véus cobrindo a cabeça durante os serviços religiosos. As solteiras usavam os véus brancos, as casadas véus pretos. Uns exibiam desenhos elaborados, outros eram simples. Apesar de não entenderem muito bem a doutrina do véu, todas as mulheres os usavam. “É norma da Igreja, então usamos” – era a explicação mais simples.

O menino escolheu um véu preto, com desenhos de flores, e retirou do bolso um monte de moedas.

-Aqui está o dinheiro, seu Rael. Veja se dá.

Seu Israel contou cuidadosamente o dinheiro. Era uma porção de moedas de pequeno valor, mas no final a quantia era mais que suficiente. Depois de separar quantia necessária para pagar o véu, devolveu o resto das moedas para o menino.

- Tome. Ainda sobraram estas.

- Obrigado, seu Rael. Sabe? Esse presente é graças ao senhor. É quase um presente seu prá vovó.

- É? – admirou-se seu Israel. – E por que?

- Essas moedinhas eu ganhei do senhor e fui juntando. Completei com outras que ganhei de mãe, mas a maioria foi o senhor que me deu.

Seu Israel sorriu. Ele tinha o hábito de, de vez em quando, dar moedas para os meninos que passavam em frente à sua loja. Quando o caixa estava cheio de moedas, ele separava as de menor valor e distribuia livremente para as crianças. Às vezes as moedas eram acompanhadas de balas e doces. Ele sentia-se muito feliz com isso, e criançada também. Era uma festa quando viam seu Israel na porta da loja com as moedas na mão.

- Muito bom! Fico feliz com isso. – Pegou mais algumas moedas e deu ao menino. – Tome. Leve estas para seu próximo presente.

- Deus lhe pague!

O menino saiu todo satisfeito da loja. No dia da procissão, seu Israel avistou uma senhora de cabelos brancos exibindo seu véu novo, toda contente. Ao seu lado o menino a acompanhava, pois a senhora tinha certa dificuldades em andar. Seu Israel sorriu satisfeito. “Um bom menino, tem futuro…” – murmurou para si.

Por muitos anos seu Israel manteve o costume de distribuir moedinhas para as crianças. Mesmo quando fechou a loja, em suas caminhadas pela praça ou à porta de sua casa, dava moedinhas às crianças que encontrava. Elas tagarelavam felizes com ele, outras vezes ouviam histórias, e assim iam levando a vida. Um dia a saúde de Seu Israel não mais o deixou fazer suas caminhadas. Precisou ir embora para Recife se tratar, e por lá ficou.

Hoje já não está entre nós. Para quem o conheceu ficou a lembrança de seu sorriso, da atenção que tinha com os pequenos e dos seus hábitos pitorescos.

Deixou saudades…