VIDA BANDIDA

VIDA BANDIDA

Tinha tudo para ser um domingo especial. Acordaram cedo, arrumaram a malinha da pequena Tê, diminutivo carinhosa de Teresa, sua única filha, que estava agora com 2 anos. Iam para a casa da vovó, que completava 70 anos naquele dia. A vó morava em outra cidade, mas a distância era curta e a estrada era muito bem conservada.

Chegaram, lá já estavam todos conversando, as crianças brincando e uma atmosfera de alegria em torno da aniversariante, que adorava receber filhos e netos. Passaram o dia em festa, não havia nada melhor do que aqueles encontros, que proporcionavam conversas, conto de causos, comentários sobre o progresso dos filhos, troca de receitas, vitórias e derrotas de seus times e acima de tudo o prazer de estarem todos juntos.

Rolou aquela macarronada e todos comeram muito e beberam com moderação, realmente o macarrão da mamma era imbatível. No final da tarde veio o bolo e todos em uníssono cantaram o “Parabéns pra você “.

Era hora de ir, afinal a noite estava chegando e precisavam pegar a estrada. Carlos e Maria ajeitaram as coisinhas de Tê, sentaram-na cadeirinha e despediram-se com alegria. Prometeram promover um encontro da família dali há uns quinze dias, para comemorar agora o aniversário de Maria e Tê que tinham nascido em datas muito próximas.

Tomaram seu caminho e vinham comentando a felicidade que esses encontros proporcionavam, como era bom ter e participar de família tão unida.

Em outro ponto da cidade, corria uma balada de um grupo solteiro, convocada para comemorar o aniversário de um dos integrantes. Participavam apenas jovens, a maioria vinda de famílias sem muito amor e afeto. Comida rara e bebida rolando aos borbotões. As conversas eram desconexas, a música nas alturas e a azaração comendo solto. Não havia limites naqueles encontros, quanto mais bebida melhor. O dia estava acabando, resolveram dar uma parada para se encontrar mais tarde e continuar a orgia. Saíram com seus carros em desabalada carreira, cada um procurando superar o outro em suas loucuras ao volante. João, um deles, está praticamente fora de si, mau conseguia manter-se em pé, mas está habituado a dirigir alcoolizado, já foi parado algumas vezes, mas recusou-se a fazer o teste do bafômetro em todas as oportunidades, portanto, continua livre em sua irresponsabilidade.

Carlos e Maria estão felizes, Tê dorme candidamente em sua cadeirinha no banco traseiro, ao lado da mãe. Subitamente ao passar por um cruzamento, vem um bólido e os atinge em cheio. O carro sofre capotamento e tudo se apaga.

Passam-se dez dias, Carlos desperta de seu sono forçado. Não atina onde está e aos poucos vai relampeando em sua cabeça o momento da colisão. Vinha tranquilo, o que acontecera ? Aparece um médico, ladeado pela enfermeira e começa a fazer uns testes para medir suas reações. Seu corpo todo dói, mas tem forças para perguntar de Tê e Maria. O médico olha para a enfermeira e pede que ela vá chamar a mãe de Carlos. O médico lhe diz que o acidente foi muito grave, mas ele não sofreu nenhuma lesão mais grave.

Sua mãe entra no quarto, os olhos rasos d´água, sua aparência é pior que a do acidentado.

Incontinenti, Carlos pergunta por Tê e Maria. A mãe irrompe em prantos e diz que o acidente foi gravíssimo e ambas não resistiram. Carlos fica em estado de choque e imediatamente o médico instrui a enfermeira para lhe injetar calmantes. Acorda na manhã seguinte, mas no seu intimo preferia não acordar nunca mais.

Três dias depois deixa o hospital, está fisicamente bem mas psicologicamente arrasado, nunca mais será a pessoa feliz de tempos atras, torce para que sua vida seja curta, já não tem mais vontade de viver. Cada domingo, daqui em diante, será um calvário, foi-se a vida.

João sai do acidente com leves escoriações, recusa-se mais uma vez a fazer o teste do bafômetro, vai para a delegacia e após algumas horas é solto. Se for processado responderá em liberdade. No domingo seguinte, lá está, sentado em um barzinho, tomando suas cervejas, relatando o acidente aos amigos e a sorte de não ter morrido. Nem pensa em deixar sua vida bandida.

Arnaldo Ferreira
Enviado por Arnaldo Ferreira em 08/01/2012
Reeditado em 08/01/2012
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