OS NOVOS MONSTROS

Tiago saiu do emprego já passava da hora habitual, quando chegou à porta de entrada outros colegas estavam abrigados da intempérie, aguardando uma aberta para apanharem os transportes públicos que os levariam a casa. Abriu o chapéu de chuva, lutando contra a força do vento que tentava virá-lo e teimou em avançar, aumentou o ritmo da passada e ao fim de umas centenas de metros em que embateu com outros chapéus, pois a tempestade não dava tréguas, lá desceu a escadaria do Metropolitano e respirou fundo quando finalmente, deixou de sentir o vento e a chuva a incomodá-lo. Olhou-se, constatando que estava todo molhado, felizmente que tinha trazido a gabardine, senão seria como se tivesse caído à água, no Tejo ou então num lago.

Deslizou o passe na máquina e dirigiu-se à plataforma de embarque, onde várias dezenas de pessoas se apinhavam para entrar nas carruagens e chegar rapidamente a casa.

Meia hora depois dirigia-se para o seu lar, caminhando pelas ruas desertas do seu bairro, situado nos subúrbios da capital.

Tinha parado de chover.

Quando virava uma esquina e entrava na rua que antecedia a sua, por sinal das mais mal iluminadas do bairro, ouviu gritos e a aproximadamente cinquenta metros reparou em dois vultos que se debruçavam sobre um terceiro. A coberto da escuridão, aproximou-se mais e viu uma mulher de meia idade caída no chão, enquanto dois homens ainda jovens a seguravam, tapando-lhe a boca e mantendo-a semi-deitada.

Tiago encostou-se o mais possível à parede, meio oculto pelo umbral de uma porta onde se tinha escondido, sustendo a respiração. Tremia, com medo de ser visto.

Um dos homens remexeu a mala da senhora, tirou algo que lhe pareceu uma carteira de mão, espreitou lá para dentro e olhando à volta, disse algo para o companheiro e virando-se para o fundo da rua, desatou a correr, seguido do comparsa.

A senhora, quando se viu solta, pegou logo na mala e dando por falta da carteira começou a gritar: - Oh da guarda! Acudam-me! Socorro! Fui roubada!

Depois, como ninguém surgisse, deixou-se estar sentada no chão molhado, chorando baixinho a sua desdita.

Tiago, deu meia-volta e circundou o quarteirão, olhando de vez em quando para trás para se certificar que não tinha sido visto.

Por fim chegou a casa, subiu as escadas até ao primeiro andar onde morava desde há quinze anos. Tirou a chave, abriu a porta e logo surgiram a esposa e a filha, que o cumprimentaram beijando-lhe a face.

- Então como correu o dia?

- Olhem, meus amores, estou todo encharcado, mas tirando o temporal, correu bem. Vou lavar as mãos, estou cheio de fome… O que é a “janta”?

- Querido, fiz carne assada com puré de batata, sei que gostas muito…

- Estragas-me com mimos - disse, beijando-a levemente nos lábios. E seguiu cantarolando pelo corredor, rumo à casa de banho.