Santa Ceia

Vinicius, um burguesinho comum, estava um dia caminhando por uma rua de um bairro bem pobre, estava meio tenso e sua maior preocupação era de sair dali o quanto antes, pois sentia que se não fosse importunado por um pedinte, seria de certo assaltado.

Achou, por conveniência, entrar em um boteco, um daqueles bem sujos, que vende jiló como aperitivo, -pode isso, pensou ele, acho que para um ser humano gostar de comer jiló, tem que estar muito bêbado, ou estar virando passarinho.

Então se sentou, com muito nojo, naquela mezinha com uma estampa de marca de cerveja, torcia para não pegar um tétano, ou algo pior, olhou para as prateleiras para ver algo bebível, via teias de aranha, via garrafas de cachaça de todos os tipos, umas que pendiam para um lado, outras que pendiam para o outro, cria ele já estarem bêbadas de tão forte que era o líquido que havia nelas, viu coisas indescritíveis, achou até que não eram daqui, e quando ele diz daqui, quer dizer da Terra.

Pediu uma cervejinha, exigiu em pensamento, que ela fosse de uma marca terrena, estava super gelada, isso fez com que Vinícius relaxasse bastante, tanto que começou a prestar ainda mais atenção nas coisas a sua volta, e viu que logo enfrente a birosca havia um pequeno casebre de no máximo dois cômodos, que de onde estava, podia-se ver tudo o que se passava lá dentro, falou consigo mesmo:

–como pode um ser humano viver nessas condições, eram paupérrimos.

Estavam o pai, a mãe e as três filhinhas, todas bem novinhas. Aquela cena, não soube ao certo porque, deu-lhe um aperto no peito, uma tremenda dor no coração, logo ele que nem sabia que tinha isso, as lágrimas lhe vieram a face, no momento em que aquele varão, com a autoridade de pai, pegou um pãozinho careca e como Jesus, arranca-lhe um naco e dá primeiramente a mais novinha, a menininha dá um sorriso, como se estivesse dizendo – papai, muito obrigado por o senhor existir, e te amo muito – via-se essas palavras brotarem pelos seus poros, daquela pele bem russinha, pele sem hidratação, devido talvez à má alimentação e as precárias condições de higiene.

Esse ritual da partilha do pão repetiu-se para as outras duas filhas maiores, para a esposa e um pequeno pedaço sobra ao pai, aquele momento, pareceu-lhe durar uma eternidade, a cerveja esquenta, a cabeça ferve, força a mente e se envergonha do seu café da manhã, não por ter sido farto, mas sim por ter sido acompanhado por lamentações, como por exemplo, qual dos trinta e três pares de sapatos ele iria usar, ou se deveria tomar chá ou café.

Achou essa cena linda, muito bonita mesmo, porque apesar dos pesares, viu dignidade em todo esse ritual de sub-alimentação, portanto não os viu como dignos de pena, dignos de pena, disse ele, talvez sejamos nós, nós que na maioria das vezes não damos o devido valor as coisas simples da nossa vida, mesmo quando sabemos que tudo sempre vai depender de um ponto de vista, e se você não esta satisfeito com o seu, tente muda-lo, faça o jogo do contente, mude-se.

Aproveitou a sensação que estava sentindo de poder voar, chamou o atendente do boteco e pediu uma porção dupla de jiló.

Sérgio Souza
Enviado por Sérgio Souza em 13/01/2007
Reeditado em 13/01/2007
Código do texto: T345477
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