Racista

Racista.

Na TV um novo escândalo. Um artista famoso enche de bofetes sua mulher. A polícia foi acionada. A mídia deixa mais hematomas na imagem do dito cujo, do que a cara da infeliz que apanhou.

Num programa povão, um negro reclama que foi parado numa blitz e ele foi o único multado. Sempre em que a situação envolve a raça negra, Hildo tem o comentário na ponta da ferina língua.

-Bem feito! Quem mandou se misturar. (Este para a mulher que apanhou.)

-No mínimo, tava bêbado! (E este pro senhor que reclamava.)

Jamais sentou num restaurante onde estivesse uma pessoa da raça. Desistiu de um bom trabalho, porque um experiente negro foi admitido para trabalhar no seu setor. Mandou seu filho sair do cursinho pré-vestibular, porque soube que o colégio contratara um PHD em física, negro, para professor e o Júnior levou bomba no vestibular.

Não era racismo, era pura e aberta ignorância, assumida até as últimas conseqüências, inclusive legais. Desde menino já era assim. Os meninos fizeram um clube chamado menina não entra. Isso foi na época dos gibis do Bolinha e da Luluzinha. Enquanto não trocou o nome para “nego não entra”, ele não sossegou. Usou do prestígio e dinheiro do seu pai, e conseguiu. Qualquer coisa errada ou serviço mal feito ele dizia:

- “Isso é coisa de nego!”.

Não tinha explicação ou perdão. Afirmava que, se não fossem os negros, o Brasil seria diferente, não haveria carnaval nem futebol. O dinheiro perdido nos quatro dias de carnaval poderia muito bem ajudar os necessitados e, em poucos anos, acabariam os miseráveis. Os pobres, demoraria um pouco mais. E sobre o futebol, em vez de estádios monumentais, teríamos celeiros.

Falava com orgulho de ser brasileiro, e por ser brasileiro, nunca desistiu destas idéias.

Quase foi excomungado, preso e linchado. Por sorte, ele sempre encontrava algum imbecil que o apoiava.

Um dia, foi assistir ao jogo Flamengo e Olaria. Era flamenguista, mas sentou-se na torcida do Olaria, só pra não se misturar. Tomou sopapos pra valer quando o Flamengo marcou um gol.

Não aprendia, não adiantava. “Meus argumentos são cheios de exemplos, dizia ele.” “Deus é perfeito, não iria misturar tudo.”

Junior passa no vestibular, cursa medicina e trabalha num hospital da periferia. Dedica-se aos estudos e ao seu aperfeiçoamento. Nos finais de semana nunca está em casa e fazia muito tempo que não falava em namorada.

A pior idade chega e a velhice está à porta e ele não perdeu a desatinada mania.

Um dia, escorregou no banheiro, caiu sobre a pia que quebrou, cortando-o na altura da coxa, ao mesmo tempo em que bateu com a cabeça no vaso sanitário e desmaiou. Sua ausência é notada muito tempo depois.

Conduzido ao hospital em que trabalhava o filho, foi imediatamente removido para a central, porque seu sangue era de um tipo raro e ali não havia o sangue compatível. A família imediatamente começou a procurar o tal tipo entre amigos. Os serviços de utilidade publica dos meios de comunicação foram acionados e pediam doadores com urgência.

Junior liga para alguém e conta o caso do pai.

No outro lado da linha, uma pessoa confirma que é o seu tipo de sangue.

No hospital, ligado por uma mangueira que passa sangue um para o outro, imediatamente uma negra bonita doa seu sangue para seu futuro sogro.