Romance virtual na real

Cornualdo estava apaixonado. Conhecera uma mulher na internet e o romance já ia longe quando começaram a acontecer os vestígios que todos que têm um rolo qualquer na rua reconhecem. Menos ele, coitado...

Nos finais de semana, quando tinha mais tempo, proletário que era, ele nunca conseguia falar com a bendita. Era celular fora de área, conexão que não funcionava (sempre acontecia uma tragédia na cidade dela, tempestade, enchentes, trombas d’água, dilúvios, falta de luz etc... coisas que só ela tinha conhecimento, afinal, nem o noticiário falava sobre), um parente que morria, filho que sofria acidente, filha que passava mal, enfim, toda carga de azar que impossibilitava os tais encontros online.

Na segunda-feira, ela ressurgia, como num passe de mágica e em horário comercial, como se nada tivesse acontecido. E lá ia Cornualdo para a frente de um computador suspirando e criando mil ilusões a respeito daquela que era o seu amor maior.

Certa vez, numa segunda qualquer, depois de um final de semana “quebrado” (a dona apareceu para dar um oi e teve sono, nos últimos meses era assim que acontecia), seu celular recebeu a mensagem de que ela havia ligado. Tentou retornar a ligação e ela, como era de costume, não atendeu. Ele saiu do serviço e foi o mais rápido possível para casa, para verificar se havia alguma mensagem dela em seu computador. E tinha! Na mensagem ela dizia: “Querido Cornualdo. Estou no hospital. Passei mal. Estou no soro. Tentei te ligar e não consegui. Para minha sorte a conexão aqui é boa e consegui acessar a internet e publicar um texto. Espero que você esteja bem. Beijos.”

A princípio, ele leu aquilo e ficou preocupado. Mas bastou comparar a hora da ligação e a hora da mensagem para perceber que se ela estivesse mesmo dependurada num balão de soro jamais poderia ter acessado a internet e se dado ao desfrute de alguma publicação. A doninha escrevia num site de poesias e adorava fazer contatos com seus leitores. Contatos carnais. E o pobre Cornualdo, que se achava um privilegiado, pensava ser ele o único na longa lista da escritora (descoberta depois).

Cismado com o que lera e atordoado por seus pensamentos, decidiu que iria resolver aquela questão de qualquer maneira. Não suportava mais o peso da dúvida e estava por demais “esquentado das ideias”. Tomou algum dinheiro e partiu para a cidade de sua amada. Horas depois, lá estava ele, no meio de um trânsito infernal e sem saber ao certo o que iria fazer. Dela nem sinal. Nenhum telefonema, nenhuma mensagem. Tal qual fazia quando se encontravam no começo. Ela deixava desligado ou no vibracall durante aquelas horas de prazer supremo.

Tendo o endereço dela em mão, tomou um táxi e foi até a casa da mulher. Lá chegando, ficou um pouco mais afastado, pois vira que o carro dela não estava na garagem. Sentiu seus nervos latejarem na testa. Estava nervoso, a boca seca e completamente irascível. Foi e voltou nas proximidades, parou num bar e tomou um “acalma João”. Precisava se aprumar e não sabia mais o que fazer. Então, finalmente, avistou o carro dela entrando na garagem. Correu e alcançou-a. E ela, ao vê-lo, assustou-se.

- O que você está fazendo aqui?

- Vim ver se você tinha melhorado. Afinal, ficar no soro por tanto tempo deve ter sido sugestão do médico por algo mais preocupante.

Notou que ela começou a gaguejar e tremer. Embora sua aparência estivesse ótima e, estranhamente, sem nenhuma marca de agulhas nos braços. Ele pensou – Será que o soro que ela tomou foi pela boca?-

Ela já ia tirando o carro de novo e ele a interrompeu.

- Não. Você não vai tirar o carro daqui.

- Mas não podemos ficar.

- Eu disse que você não vai tirar o carro. Vai repousar. Não está doente? Doente não pode ficar zanzando.

- Meu filho chega daqui a pouco. Minha filha deve vir com ele. Não podem te encontrar aqui.

- Fique tranquila. Eles nem vão me ver.

Ela estava visivelmente nervosa quando não se deu conta de que ele olhava para dentro do carro, do lado do carona e avistou algo interessante. Uma caixa de fósforos de um motel próximo dali com um número de telefone anotado à caneta com DDD de outro estado. O olhar dela encontrou o dele numa súplica que não foi ouvida.

Cornualdo arrancou uma pequena pistola da cintura e descarregou-a na cara da mulher. Sentou-se ao lado do corpo ensaguentado e ali ficou até que a polícia, chamada pelos vizinhos chegou. Não ofereceu resistência. Tinha em sua mão fechada a caixa de fósforos e disse nunca ter visto a mulher e que havia atirado nela porque tinha a intenção de roubar-lhe o carro.

Dali foi levado à delegacia e posteriormente encaminhado a uma prisão federal onde cumpre pena até hoje...

HERCULANO FRANCISCO QUINTANILHA
Enviado por HERCULANO FRANCISCO QUINTANILHA em 30/01/2012
Reeditado em 10/03/2013
Código do texto: T3470933
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