Como se, com as mãos pudesse salvar

Como se, com as próprias mãos, pudesse salvar a si... Aqui, bem aqui através das palavras.

E se foi o tempo, guria!

Tratou de levantar cedo do dia, tão tarde da vida já. Sequer colheu as flores que contemplou tanto tempo como suas. E nada levou, melhor dizendo, nada trouxe. Pensou incontáveis vezes na morte, enquanto tentava a vida, já que em tempo algum lhe seduziu aquela gente, meio formiga.

Bem cedo, bem sem porquê, passou a vestir o “de sempre” porque o “de sempre” passou a ser. Adotou para “si” como se o fosse, aquilo que tanto lutou em não ser. Mas acabou “não sendo” ou sendo, nada mais do que aquilo. Logo ela, que embrulhava músicas com “só me sendo perceberias”. Hoje, perceber-se, já seria de grande valia...

Elas se ocupam (a gente), não sentem o tempo. O espelho mostrou-lhe a primeira ruga. A gente, que ela encontrou na rua, fez questão de mostrar-lhe o restante. Mas nenhuma delas sentia o tempo como aquela que sentiu um dia, ter a vida inteira.

Era tão mais confortável escrever apenas...

Não tem espaço pra tanta gente, preciso sair, preciso sair! Diz. Mas como sair do próprio corpo? O desconforto é condição necessária para quem quer parecer que permanece vivo. Pensou.

Nunca conseguiu permanecer apenas, porque não conheceu outra forma melhor do que parecer, para facilitar o alvará.

Ninguém disse que seria tão difícil e, duma hora pra outra, passou a não atuar mais. Não encena porque não consegue, embora já tenha ouvido que leva jeito para atriz!

Nunca teve jeito, sempre desajeitada em todas as suas empreitadas, mas, mais do que nunca, ela não tem mais jeito. Jeito de rir de verdade (lhe obsedia a remota lembrança duma gargalhada gostosa, mas não sabe o que a conduziu a ela, tampouco, o que a findou). Jeito de chorar, sempre teve, específico: quando sente dor (muito mais as da cabeça que dizem gritar do coração), mas não sabe em qual parte da vida ela passou a sentir tristeza onde a raiva era apropriada, deste modo, nunca soube reagir.

De que adiantaria saber também, hoje, reagir. Com o tempo?

Vai brigar com quem, se não reagiu com a morte? Que morte mais imbecil, a morte é algo tão imbecil, que vontade tem de matar a morte já que nunca conseguiria matar quem mata. Nem o tempo, imbecil também. Mas ela não conseguiria matar o tempo, se fosse possível, é claro. Não saberia viver de outro modo. Nunca iria querer a eternidade da vida, já que a vida que conhece é tão pesada e fria -ela lembra como eram bons os novos começos- Então: que acabe logo. Vamos junto dos que jazem. No mínimo, mais leve. Falta não é o mesmo que saudade...

Não é que prefira esperar o convite, mas seria inconveniente se convidar, pensa.

Esperando então, um convite do fim, pega emprestada a vontade dos seus, para acordar cedo, em dias que nunca acabam, e vai tratando bem quem a destrata, como se ela se tratasse de um papel que foi parar no chão.

É Provável que tenha sido ela quem o colocou lá, deixou cair, ou nunca juntou.

Nem as flores, nem o papel ela trouxe. Mas num dia, daquele passado distante, contemplou a si, lá no fundo, lá do fundo, com olhinhos puros, e achou bem bonita.

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Enviado por at em 15/01/2007
Reeditado em 14/09/2007
Código do texto: T347171