JURITI

Até prova em contrário, eu sei que toda criança gosta de animais. Um cachorro, um gato ou um pássaro são os mais comuns do afago interesse das crianças, e eu fiquei nesse comum, pois tive um cachorro como animal de estimação. Na realidade era uma linda cachorrinha vira lata.

Juriti era o nome dela. Apareceu no portão lá de casa ainda pequenina, ganindo de fome e frio. Olhei confuso para ela, por entre as fendas das balaustres do portão, e ela olhou para mim com aquele olhar de súplica que só os cachorros sabem fazer, e eu acredito que isto foi amor à primeira vista.

Catei-a do chão, enlaçando com meus braços acomodei-a no meu peito, e corri feliz, gritando, mostrar o achado para minha mãe.

- Posso ficar com ele? Perguntei num misto de alegre e ansioso.

Minha mãe pegou o animal de minha mão, olhou com cuidado virando-o de um lado para outro como que no desejo de descobrir algo, falou:

- Não é ele, é ela.

- Como é que minha mãe consegue descobrir o sexo dos animais? Pensei admirado, naquele momento. Minha mãe é maravilhosa e competente nisso, ela sabe se é galo ou galinha, se é boi ou vaca, se é cabrita ou bode, se é cavalo ou égua. Quando guri, muitas vezes quis perguntar o segredo disso tudo a ela, mas me contentava simplesmente em acreditar. Ela falou, está falado!

- Eu acho que seu pai não vai gostar, completou ela.

Depois de muitos “deixa me ficar com ela”, “deixa me ficar com ela”, a Juriti finalmente foi adotada pela família. Foi uma festa geral.

Foi crescendo rápida e sapeca, mas morava no quintal, amarrada a uma cordinha para cuidar da casa.

Já adulta sua raça lembrava um pouco de Collie. Tinha uma pelagem média mesclada em branco e marrom que dava a ela uma aparência agradável. A mãe dela deveria ser uma cadela com pedigree, que com certeza, andou em más companhias, de vira latas vadios e sarnentos.

Desta vadiagem toda nasceu a Juriti que por certo foi abandonada por aí, e veio parar no portão de casa.

Eu acho que a Juriti nunca se importou muito com isto, em casa ela era bem tratada e parecia muito feliz.

Eu e Juriti nos dávamos muito bem. Ela era um grude, pois onde eu estava, lá ela queria estar também. Latia, mordia meu calcanhar, lambia meus pés. Ela era toda festa.

Era a companheira dos meus folguedos em casa e na rua. Gostava de sair, quando eu saia para brincar. Lembro-me perfeitamente como ela toda alegre, presa àquela corda, olhava para mim e de seu rabo em movimento quase gerando um tufão, quando de manhã eu levantava para ir buscar o leite na chácara. Era um bom trecho a ser percorrido. Soltava-a da cordinha e lá íamos nós, eu assoviando e ela latindo, em desembalada correria. Ela cheirava os postes, corria afoita e inutilmente atrás de borboletas e de passarinhos, tal qual uma doidivanas latia feliz para coisa alguma. E eu me divertia com isto. Pelo caminho, muitas vezes além das borboletas e passarinhos cruzavam vadios cachorros enormes e ela com medo se enroscava medrosa em minhas pernas pedindo meu colo.

Nem sempre as coisas boas duram para sempre.

Uma noite, nossa família foi acordada por um barulho infernal de briga entre cães dentro de nosso quintal. Tarados cachorros, vadios vira-latas, aos milhares deles quebraram o portão e atacaram a inofensiva, pura e virgem Juriti dentro de nosso quintal.

O que vi naquela noite foi alarmante.

Meu pai aos berros conseguiu com pedaços de paus e pedras afugentar aqueles miseráveis, mas apenas um deles permaneceu e nele, engatada estava a Juriti.

Meu pai sentenciou:

- Não podemos ficar com esta cachorra aqui em casa.

Voltei para cama e triste quase não consegui dormir. Levantei-me de manhã para fazer a minha tarefa de buscar o leite e não encontrei, como de costume, me esperando no quintal a cachorrinha que tanto amava. Chamei-a em vão. Fui, então sem assoviar e sem correr, cabisbaixo buscar o leite. As borboletas e passarinhos pelo caminho voavam desnorteados procurando pela Juriti. Até os vira latas, ao cruzarem por mim, ladrando perguntaram pela medrosa cachorrinha.

- Talvez, engatada tenha, aquele miserável cachorro, levado-a de arrasto para outro quintal. Pensei muitas vezes isto.

Procurei-a em vão por muitos lugares e por muitos dias.

O tempo passou, dois anos talvez, mas a imagem alegre da Juriti nunca me saiu da cabeça. Abatia-me uma tristeza infinda quando de manhã, ao ir buscar o leite não a encontrava ali toda faceira e alegre me esperando.

Certa vez, quase ao romper da madrugada ao passar por uma viela mal iluminada, como numa visão maravilhosa vejo uma cadelinha, magra, maltratada, com as tetas grandes que pelo seu porte e pelagem em cores branco e marrom lembrava a minha cachorrinha. Meu coração acelerou. Não me contive, parei e chamei:

- Juriti!

Aquela cachorra parou de chofre de remover o lixo, virou-se para mim, fez menção de abanar o rabo e com olhar lânguido e triste caminhou cabisbaixa até perder-se na escuridão.

Mario dos Santos Lima
Enviado por Mario dos Santos Lima em 07/02/2012
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