O "trabaio" de Pai Caborja

Os mais antigos já conheciam o Caborja há muito tempo. Havia sido borracheiro, caminhoneiro, mecânico, feirante, corretor de imóveis, jogador de bingo, apontador de jogo de bicho e vendedor de bilhete de loteria.

Sumiu por vários anos e de uma hora para outra, apareceu carregando o título de "Pai Caborja". A placa no barracão próximo ao cemitério municipal informava ao leitor: - Pai Caborja tem a cura para quem tem fé - Zé Pilintra e Preto Véio.

Pai Caborja pesava uns 150 quilos, fumava um cachimbão preto e tinha uma risada cavernosa.

Caborja tinha um fiel escudeiro, o Mané Piaba, o qual captava a clientela para o terreiro.

Mané Piaba ficava sabendo que alguém estava com problemas e sempre chegava puxando assunto, querendo saber sobre tudo e todos, e quando surgia a oportunidade, soltava o seguinte:

_Um amigo meu estava com o mesmo problema e procurou um pai-de-santo milagreiro que resolveu o problema.

Logo depois, indicava o terreiro de Pai Caborja que tratava de completar o plano.

Certo dia, Mané Piaba viajou para uma cidade vizinha e lá conheceu um empresário, dono de uma pequena rede de mercados.

Em uma roda de boteco, Mané Piaba ficou sabendo que o tal empresário estava com problemas financeiros, que estava sendo obrigado a fechar um mercado e vinha demitindo funcionários.

Então, Mané Piaba pegou o copo de conhaque, sentou ao lado do empresário e foi especulando:

_ Prazer, meu nome é Emmanuel. Então o senhor é o dono da rede de mercados Serv-bem?

_ Sim, meu nome é Osvaldo, sou dono dos três, ou melhor, dois mercados. Vou ter que fechar uma loja, pois as coisas não andam bem.

Era o que Mané Piaba precisava. Mané disse ao empresário que tinha um pai-de-santo em sua cidade que poderia fazer com que a vida dele voltasse a ser o que era, ou até melhor, que o dinheiro ia cair de baldes e que aquela má fase era coisa de algum trabalho de macumba que havia sido lançado por um desafeto ou concorrente.

Mané Piaba, então, marcou uma sessão para Osvaldo ser atendido por Pai Caborja.

Uma semana antes da sessão, Pai Caborja e Mané Piaba montaram seu plano. Mané Piaba falou para o empresário Osvaldo levar toda a família para uma consulta e descarrego. Enquanto isso, Mané Piaba foi até a casa do empresário e sem ninguém ver, pulou o muro dos fundos e enterrou um osso fresco de canela de burro próximo a uma moita de campim-limão que tinha no quintal.

Lá no terreiro, Pai Caborja incorporava o Preto Véio e com a voz cavernosa molhava maços de guiné com arruda na água com sal e salpicava no empresário, na esposa e na filha que o acompanhavam. Baforava o cachimbo e espalhava fumaça nas costas de todos.

Quase no fim da sessão, Pai Caborja falou que tinha trabalho preparado para fazer com que o empresário andasse para trás, que era coisa "braba", que a macumba era forte e precisava de seis maços de vela vermelha e uma galinha preta para poder visualizar melhor o problema.

O empresário entrou na caminhonete importada e saiu procurando um galinheiro e uma casa de umbanda para adquirir as mercadorias.

Ao chegar com o pedido, o empresário entregou tudo ao pai caborja que desenhou um pentagrama no chão do terreiro, ligou o aparelho de som com um batuque de candomblé e colocou as velas nas pontas, daí degolou a galinha e passou o sangue no centro. Virou os olhos para ficarem totalmente brancos e disse ao empresário, o qual a essa altura já estava apavorado:

_Tá na sua casa, "zifiuuu"! Tem coisa "braba" enterrada lá. E para acabar "cum u efeitu é o "Sinhô" qui tem que tirá".

O empresário então, colocou Pai Caborja dentro da caminhonete, juntamente com a família e acelerou rumo a sua cidade.

Chegando na grande casa, Pai Caborja entregou um enxadão de cabo curto ao proprietário e mandou que ele cavasse para encontrar o suposto trabalho da suposta macumba.

O homem cavava com força. O enxadão batia na terra seca e a poeira subia. O sol era escaldante e o empresário suava em bicas com as mangas da camisa social arregaçadas até os cotovelos. As mãos do homem se encheram de bolhas que estouravam e davam na carne viva.

Pai Caborja mostrava outro local e dizia:

_ Cave aqui, cave aqui. "Tô sentinu coisa "braba" desse ladu".

Osvaldo recomeçava a cavação em outro ponto do quintal.

Depois de esburacar quase todo o quintal, o empresário estava exausto, quase entregue ao cansaço e à frustração.

Foi quando Pai Caborja virou os olhos novamente, dexiando o globo ocular totalmente branco, colocou uma das mãos na cabeça, começou a tremer todo o corpo e com a voz rouca de Preto Véio, disse apontando para a moita de capim-limão:

_Tá aqui. "Podi cavucá que táqui, zifiuuu. Tô sintinu coisa ruim aqui, tá pesadu"!

O empresário quase se recusou por estar exausto, mas, ao ver a expressão e os gestos "mágicos" de Pai Caborja, resolveu tentar uma última vez.

Depois de seis "enxadãozadas", Osvaldo sentiu que havia algo enterrado ali. Jogou o enxadão de lado e começou a cavar com as próprias mãos, feito um cão enraivecido.

De repente, pegou um osso fétido com as mãos, como se fosse um troféu, colocou-o pra cima e começou a comemorar:

_Achei, achei. Pai Caborja, obrigado, achei. Obrigado meu Deus, achei a macumba desgraçada.

Pai Caborja foi até o homem, pegou o tal osso e juntos foram até o Rio Sapucaí e jogaram o objeto na correnteza. Pai Caborja, então, disse em forma de reza:

_"Leva água corrente...hmmm, leva tudo de ruim..mmmm. Leva esse encosto pra outro mundo...ummm! Desamarra a vida desse homem que tem fé, meu Pai! Sarává!"

Por incrível que pareça, tudo foi dando certo na vida do empresário. Ele decidiu não vender mais a loja, trabalhou dia e noite, fez promoções, pagou os bancos e os agiotas, recontratou os trabalhadores e a prosperidade chegou, enfim.

Pai Caborja levou R$ 5.000,00 como prêmio, além de duas picanhas e uma caixa de cervejas.

Pode ser que tudo aquilo fosse enganção, um teatro construído feito filigrana, mas a placa na porta do terreiro não é propaganda enganosa, pois a cura vem para quem tem fé.

BORGHA
Enviado por BORGHA em 29/02/2012
Reeditado em 02/03/2012
Código do texto: T3526794
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