DESENCONTROS

DESENCONTROS

FlávioMPinto

Nuvens raivosas e escuras desciam do morro da Borussia e ameaçavam a praia de Atlântida, que a estas alturas, já começava a se esvaziar. Um vento forte prenunciava uma boa chuvarada. Era fim de tarde e de veraneio para Élida. Parece que o fim do verão seria coroado por uma tempestade. No outro dia já retornaria á sua cidade.

Juntando seus pertences, raciocinava que a chuva limparia todas suas lembranças e voltaria para Alegrete feliz e sem culpa.

Mas quando as lembranças surgem na sua mente, logo ressurge Baltazar. Sim, Baltazar, o grande amor de sua infância e juventude.

Porquê ele não veio pescar hoje? Élida o cuidava todo dia, desde o momento que chegava na plataforma de pesca até limpar seus apetrechos, colocar numa sacola e encaminhar-se para sua casa, ou destino, não sabia bem o certo. O certo é que só o encontrava no final da temporada em cada veraneio. Já tinham(os amigos) feito um verdadeiro levantamento da vida do personagem desde onde morava. Só não sabia seu estado civil, mas sempre andava só. Jamais fora visto acompanhado com quem quer que fosse.

Tantos anos sem vê-lo, logo agora a 4 ou 5 verões, o encontra ora em Capão ora em Atlântida. Eram desencontros armados , com certeza, pela sua indecisão em enfrentar a situação. Conheceram-se, apaixonaram-se e se separaram sem saber porquê. Casara logo após, no entanto, ficara viúva cedo. Apenas vivia para cuidar da estância que herdara e dos filhos pequenos, hoje adultos e independentes. Precisava viver a sua vida até que enfim. Isso não tinha dúvidas.

E não é que aparece Baltazar, nesta quadra histórica da sua vida com sua varinha de pescar, uma sacola e um isopor pequeno na plataforma de pesca. Puxa vida, logo agora. Mas tinha de ser agora para dar um fim naquela angústia de 30 anos?

Sim, era ele, sem dúvidas. Seus traços eram inconfundíveis. Mas ela estava mudada. De morena virou loira, cabelos curtos e bem lisos e ele jamais a reconheceria. Isso tinha certeza.

Teria coragem de encará-lo? O que falaria? Um mar de incertezas. Já sabia de tudo dele, menos seu estado civil e profissão. O que desejava mais? Dizer-lhe que ainda guardava saudades e as melhores lembranças daqueles bailes de carnaval que freqüentavam? Diria que jamais o havia esquecido? Que desejava ardentemente resgatar aquele período maravilhoso?

Isso pensava, mas teria coragem para tal? Chamar por seu nome? Estivera perto dele certa vez numa padaria, mas faltou a iniciativa de chamar por seu nome.

Quando chegaria à hora? pensava alto olhando para seus pertences e a plataforma de pesca. Distraiu-se.

Quando se deu conta uma sombra tomava conta do lugar onde estava.

-Élida, é você? Disse a pessoa da sombra.

- Sim. Respondeu virando-se e topando com a figura que tanto procurara.

- Sou o Baltazar, lembras de mim?

- Ah, o Baltazar, como vais? fala num muxoxo escondendo toda sua ânsia em abraçá-lo.

Numa fração de segundos todo seu passado foi relembrado como se um filme fosse. Muito colorido. Mas um passado de desencontros que decidiram sua vida. Começara com suas temporadas de veraneio: todo dia apanhava seus “avios de praia” e rumava de Capão á Atlântida e lá permanecia até o fim da tarde. O local surgira por acaso: seu carro estragara e a oficina ficava bem perto da plataforma de pesca. Apaixonara-se pelo local e o fez seu destino nas temporadas de praia.

Passou também, como um foguete bem visível, sua separação de Baltazar. Passava-se o último dia de carnaval em Alegrete e no outro dia Baltazar embarcaria de trem para Porto Alegre. Seria uma despedida e tanto, mas não pode ir até o embarque por não decidir-se se deveria ou não ir. Uma indecisão que a levaria para longe de seu amado. O destino separou-os. Casou logo e não soube mais de Baltazar até aquele dia extremamente quente em Atlântida quando procurava uma sombra e o viu depois de muitos anos. Sim, era ele, não tinha dúvidas. Era um senhor esguio com apetrechos de pesca que caminhava para a plataforma de pesca no meio da tarde.

Nos dia seguinte já retornaria á Alegrete e a visão de Baltazar ficaria para o próximo veraneio. E assim se repetiu durante quatro anos: sempre o final do veraneio o encontrava, mas não tinha forças para encará-lo. Já confirmara que era ele. O que tinha mais a fazer? O que teria a dizer a Baltazar?

Porque ele foi reaparecer agora que deseja reconstruir sua vida? Seria obra do destino novamente lhe pregando uma peça?

O sol ainda quente que se escondia nas nuvens de chuva não a deixava raciocinar direito. O calor doía na pele como a lhe empurrar para uma sombra na entrada da plataforma. Agora para fugir da chuva.

- Baltazar, quanto tempo?

- Sim, e ainda me deves uma resposta da despedida na estação, lembras?

- Que despedida? fala Élida já querendo fugir do assunto que martelava sua cabeça a mais de 30 anos.

- Não me engane, diga tudo e não me esconda nada. Era você que andava atrás de mim todos esses verões? A minha irmã me contou que até perguntaram a ela por mim.

E logo engataram uma conversa de reminiscências daqueles bons tempos. Já quase anoitecia. Começaram a cair os primeiros pingos de chuva e Élida não tinha conseguido arrancar nada da vida pessoal de Baltazar.

Descobriu que a razão de só o encontrar no final de sua temporada era que a dele( férias) começava justamente quando a temporada dela terminava. Ele chegava e ela partia. Ele chegava de Porto Alegre e ela retornava ao Alegrete.

A imobiliária que tinha trabalhava em dobro durante a temporada de praia com os aluguéis de verão e não podia deixar os empregados sem sua presença. Então, desencontravam-se.

-Mas, Baltazar, conte-me sobre sua vida.

FINAL 1

Neste momento encosta um carro com um rapaz apontando o relógio e fazendo sinal para ele entrar.

- Bem, tenho de ir. É Juarez, meu companheiro. Moramos juntos. Tchau.

FINAL 2

Neste momento encosta um carro com um rapaz apontando o relógio e fazendo sinal para ele entrar.

- É o meu enfermeiro: é que minha mulher é tetraplégica e a essa hora ele vem me buscar na praia e depois vai para casa. Eu cuido dela.

FINAL 3

-Élida, não vou falar da minha vida. Quero que me conheças pouco a pouco. Quero falar da nossa daqui para frente. Sou viúvo também e que tal retomarmos aquele relacionamento do carnaval do Alegrete? Não tenho ninguém para cuidar e que eu saiba não tens também, não é?