UMA FÁBULA DO PRIMEIRO AMOR

Quando nos vimos recentemente ele se voltou à sua história de vida, duma vida temporal de exatos cinquenta e dois anos.

Dizia-me que estava ali para um reciclagem científica, afinal, a ciência caminha tão depressa que precisamos nos cuidar para nela não tropeçarmos para sempre.

"Todas as filas ultimamente parecem rodar como tratores sobre nós" lhe filosofei eu, e então, rimos juntos, afinal, já havia se passado dez anos da nossa última reaparição profissional, desde a faculdade.

Mas ele também é um homem das artes, das artes musicais, disso eu não sabia, e atualmente, contava-me ele, é baritono num coral profissional. Achei aquilo maravilhoso...

E deixou claro: era o que de fato queria ter feito na vida: cantar.

E agora nos seus raros momentos de "gaps" do tempo ele solta a sua bela voz pelos quatro cantos do país e do mundo, paralelamente à sua outra arte de ofício bem estressante, mas, é na música que realmente realiza a expressão do seu veio artístico...de alma.

Então, entre o burburinho do congresso, ele me contava que nos bancos da faculdade, logo no primeiro ano do curso universitário, ele se apaixonou por uma garota do coral da instituição.

Muito tímido, não sabia como confessar sua paixão por ela, então decidiu: um dia se inscreveu e foi cantar no coral da universidade só pela possibilidade de ficar junto da garota.

Não demorou muito e a garota desistiu da sua cantoria, porém, ele desenvolveu seu dom artistico que executa com muita dedicação até os dias hoje.

Disse-me que a tal garota nunca soube da sua paixão platônica por ela, assim como ele sequer sabia de seu dom pelo canto coral.

Depois de ouvir sua história com meus ouvidos e com o meu pensamento, senti uma necessidade de movimentar meus dedos para lhes narrar um conto retrospectivo que ilustra os caminhos da vida de qualquer um de nós, a entender bem como tantas pessoas e situações que nos tangenciam e nos interceptam logo nos primórdios dos nossos rascunhos de vida mudam toda a nossa direção.

Umas pessoas passam e nos deixam a sensação de que quase nada acrescentaram, como se fossem um equívoco, qual um vácuo no tempo.

Outras passam tentando o tempo todo nos subtrair de nós mesmos, porém, algumas raras pessoas que passam, embora não fiquem pontualmente, ficam para sempre porque se presenciam numa fundamental mudança, numa radical influência sobre a nossa história.

São essas instigantes trajetórias das linhas da vida que se cruzam para escreverem ou reescreverem, assim como aqui faço, os mistérios dos nossos tantos ( e às vezes incontáveis!) destinos.