Edgard e as sombras do vazio

Edgard era uma pessoa fortemente influenciável. Talvez fosse uma forma de preencher qualquer vazio que o senhoreava em sua parca existência. A busca por uma saída razoável de um caminho que não tem fim. O vazio! O incomensurável, lindo, multifacetado vazio!

Como o tempo, partindo do principio da efemeridade, era curto, Edgard decidiu nunca mais perdê-lo penteando o cabelo ou escolhendo roupa ou qualquer que fosse a insignificância dos protocolos seguidos por seus semelhantes. Por que diabos as pessoas insistem nessas coisas? Ele gostaria mesmo (muitas vezes se pegou planejando algo semelhante), era caminhar vagarosamente pelas estradas, pedindo carona, contando e ouvindo histórias instigantes, distribuindo sorrisos, como um autêntico eremita desvinculado de tais insignificâncias mundanas e materiais. O fato é que Edgard não se importava. E cá entre nós, neste século, não se importar com as GRANDES importâncias que parecem brotar do chão, ou cair do céu, é o mesmo que acreditar em Deus depois de entender os estudos do astrônomo Stephan Hacking.

Assim como toda contrariedade tende, por jurisdição ou mão-de-ferro, ao fim, Edgard estava sendo cruelmente discriminado, ofendido e ridicularizado por onde passava; como Jesus sem seus poderes, barba e cabelos longos, pregando num bar de pessoas de preto, tatuadas e de cabelos longos. Após um longo período de meditações em uma rotina extremamente introspectiva, cuja órbita de sua vida não mais se associava ao pós-modernismo atual, decidiu viajar. Viajar ao estilo Kerouac. Ao estilo dos verdadeiros vagabundos iluminados da década de 50.

Convencido de seu estigma zen-revolucionário-do-comportamento decidiu, peremptoriamente, fabricar pulseiras entrelaçadas de linha multicoloridas, estilo hippie, e viajar todo o Brasil vendendo-as e peregrinando pelos intermináveis litorais e cidades e bares desta grande colméia. Em sua cabeça, depois de noites meditativas e sonhos premonitórios, estava tudo mergulhado na mais completa decisão. Na mochila colocaria duas panelas, algumas latas de feijão e salsicha, linhas, chinelo, pacotes de macarrão; levaria sua barraca de verão, porque obviamente não queria se molhar nas eventuais chuvas e, sobretudo, até conseguir um lar com o esforço do seu trabalho, a barraca serviria perfeitamente. Viva a liberdade! Amontoou tudo na mochila, escreveu uma longa carta para a mãe que estava trabalhando, colou-a na geladeira e saiu pela porta da frente.

Marta, sua mãe, deparou-se com minúsculas palavras desenhadas, explicações, exclamações, duvidas, incertezas, convencimento e comprometimento por uma causa justa, um dever ao próprio devir. As lagrimas chegaram antes que ela pudesse ligar para alguém, para a policia, para Deus. Suas mãos tremiam de indignação e de questionamentos irrespondíveis. Aturdida e confusa discou os três pequenos e redondos números.

- Departamento de policia de Mandaguaçu, boa tarde.

- Meu... Meu filho fugiu, podem me ajudar?

- Há quanto tempo está desaparecido?

- Algumas horas.

- Cor, idade, fisionomia, pode descrever?

- 12 anos, branco, narizinho um pouco torto, cabelos um pouco longo, enegrecidos...

- Olha senhora - ele fez uma pausa demorada como que conversando com alguém -, nós vamos fazer uma busca, mas o ideal seria você vir aqui e nos deixar uma foto... Ele tinha algum motivo para fugir, problemas familiares?

- Não, mas nos últimos tempos ele vinha demonstrando um comportamento muito estranho. Vivia falando de vazio, vazio, vazio, e eu nunca consegui entende-lo.

JimMorrison
Enviado por JimMorrison em 05/03/2012
Reeditado em 05/03/2012
Código do texto: T3535840