MOMENTO NARCISISTA

A vida sempre foi uma sucessão de acontecimentos a me atingir profundamente.

O que me aconteceu na infância, a enfermidade, marcou-me não só na memória, como no rosto para que eu não esqueça nunca do momento em que me olhei no espelho e não me encontrei, não me vi, não me reconheci no rosto desfigurado. Não encontrei a face que todos diziam ser angelical -eu também achava – os olhos de um azul intenso não me viam.

Depois, bem mais tarde, a morte de meu pai jogou-me na dura realidade da luta pela sobrevivência.

Os amores que tive sem os desejar e os que desejei em vão.

Todos os fatos me atingem e me arrastam como objetos levados na correnteza sem qualquer proteção.

Ás vezes achamos um galho, para nos segurarmos, mas logo ele vai adiante e somos jogados de novo à própria sorte.

O tempo passa, a beleza desaparece, os amores se vão e continuamos como sempre estivemos: só. Até que o ciclo se complete.

Nascemos, vivemos e morremos sozinhos. É um processo individual, não inter-pessoal. Ninguém vai morrer em meu lugar.

Deveria me sentir feliz. Significa que me basto. O resto é cenário.