A cidade das figuras

Em uma cidade a qual já não me lembro mais o nome vivia uma senhora muito antiga de nome Antonomásia, melhor identificada pela perífrase "Dona Mazinha".

Dona Mazinha era muito triste e amargurada, tinha os cabelos grisalhos e passava a vida fazendo tricô em sua velha cadeira de balanço, ao lado de seu cachorro Zeugma e sempre a pensar em seu amor do passado, Anacoluto. O cachorrinho era fiel, Anacoluto não. O homem, Antonomásia nem sabia se devia chamá-lo assim, era por demais infiel... “- Anacoluto é como um termo solto em uma frase” – o definia dessa maneira, a pobre velha apaixonada. E mesmo reclamando de seus reumatismos e dores na coluna, Anacoluto ainda encontrava tempo de cortejar Hipérbole, a fofoqueira da cidade, que andava sempre a exagerar as coisas que lhe contavam. Se diziam a ela que a vizinha andara chorando um pouco, ela dizia que eram rios de lágrimas; se ficava meia horinha esperando alguém, reclamava dizendo que estava ali há um milênio, e assim por diante.

Para a tristeza de Mazinha, Anacoluto também arrastava as asas para Gradação, uma jovenzinha de seus 25 anos que vivia, vibrava, sofria, morria de amores por Eufemismo, o rapaz mais romântico da cidade onde viviam nossos personagens. Para ele, ninguém matava; "ia de encontro às leis de Deus", ninguém morria; "passava desta para melhor", e essa forma de lidar com a vida encantava a jovem Gradação.

O moço, por sua vez, jamais deixara de amar sua ex-esposa, Antítese, mulher de poucas palavras, porém, sempre palavras contrárias. Ela vivia mudando de humor, era “de lua”, como costumava-se dizer. Uma hora tinha frio, na outra calor e essas constantes mudanças fez acabar o casamento dos dois, deixando duas filhas: Anáfora e Metáfora. Anáfora era a caçula e como era mimada, queria sempre que suas vontades fossem feitas: “- Mamãe, quero leite! Mamãe, quero água! Mamãe, me dá comida! Mamãe, me põe pra dormir!”. Já Metáfora dava muitos problemas aos pais: era envolvida com drogas. Vivia dizendo coisas e fazendo comparações estranhas como “minha vida é uma folha rasgada” ou “a saudade é ler um livro”.

A melhor amiga de Metáfora chamava-se Sinestesia, e, também por efeito das drogas, misturava sensações em frases como “a cor do teu nome me faz rir”, “o sexo da letra A é feminino” e “o som desta música é doce como um brigadeiro”. Apesar de drogada, Sinestesia nutria um amor por Elipse, que apesar de também amá-la, omitia.

Elipse era filho de Polissíndeto e de Ironia. Polissíndeto, como afirmava sua esposa, era chato e repetitivo e preguiçoso e acomodado. Já Ironia era uma pessoa extremamente simpática: ninguém a queria por perto.

Na nossa cidade, também moravam duas irmãs: Aliteração e Assonância. A primeira era pintora

e pintava penas, portas e portões. Já a segunda vivia a vida com alegria. Assonância era apaixonada por Inversão, que além de ser bem mais velho que ela, também era um sujeito muito confuso. Entendia-se bem o que por ele era dito se o mesmo estivesse em papel escrito. Difícil era Inversão fazer-se compreender em linguagem oral. Este senhor era muito amigo de Pleonasmo, sujeito idoso que dizia-se intelectual e adorava bancar o culto. Realmente o era, se não fosse por suas frases um tanto redundantes: “- Hei de convencer-te a ti mesmo!” ou “- Vi com meus próprios olhos que a terra há de comer!”.

Pleonasmo era irmão de Apóstrofe, beata convicta que não fazia nada sem antes exclamar o nome de algum santo: “- Oh Senhor Deus, dai-me a santa paciência!”, “- Minha nossa Senhora Desatadora dos nós!”, “- Virgem Santíssima!” e assim por diante. Apóstrofe, por sua vez, era muito amiga de Catacrese, ou Dona Cata, como era conhecida. Dona Cata era manca de uma perna após um tombo que levara ao sentar-se em uma mesa que tinha o pé quebrado, além de ter nas mãos um leve odor de dentes de alho, que por mais que as lavassem, o cheiro já entranhara na pele.

Catacrese era mãe de Metonímia e por intermédio de Apóstrofe, fez com que sua filha entrasse para a igreja, onde tornara-se uma das principais responsáveis pelas doações. “- Pão para quem tem fome!” – dizia ela. “- Dou a alegria aos pobres com o suor do meu rosto!”.

Uma das mais assíduas freqüentadoras da igreja de Metonímia era Prosopopéia, jovem viúva que herdara apenas um gato de seu marido, gato este que ela tratava como se fosse uma pessoa. Bem, não era somente com o gato que Prosopopéia fazia suas personificações. Era comum ouvi-la dizendo coisas como “- Hoje o sol está pedindo um banho de mar!” Ora, e afinal o sol pede alguma coisa?

Vizinha de Prosopopéia estava a dona Silepse, que por ser demasiada velha, já não enxergava direito e por isso suas concordâncias eram feitas através do que ela mesma entendia e não com o que era explicitadamente expresso: “- O que é incrível é que os humanos continuemos a agir dessa maneira!” ou “- Vossa Senhoria me parece um pouco cansado”.

Pois bem, termino aqui este pequeno conto sobre uma cidadezinha a qual realmente eu não me lembro o nome. Creio eu não ter esquecido de nenhum habitante e... Esperem! Sim, eu me esqueci! .............................................................................................

Que erro terrível cometi! Esqueci-me da mais ciumenta habitante da cidade! E que agora, por ter eu me esquecido de sua ilustre figura, está no parapeito da janela, ameaçando se jogar! É a jovem Onomatopéia, como sempre curta e grossa.

Lá vai ela, caindo, caindo, caindo e...

TCHIBUM!!!

Daniel Bartholomeu
Enviado por Daniel Bartholomeu em 27/01/2007
Reeditado em 28/01/2007
Código do texto: T359999