MEU AMIGO FOI EMBORA

Parecia que ele estava sempre em minha volta. Onde eu quer que eu estivesse – na sala do diretor, tomando um cafezinho inocente ou simplesmente passando pelos corredores da empresa – o estagiário da seção financeira surgia como quem não queria nada.

O rapaz era possivelmente alguns anos mais novo que eu, tinha espinhas na cara e, apesar de eu já ter presenciado o seu apetite voraz, era magro como um palito. Nada que me encantasse. Eu fazia de tudo para ignorá-lo, mesmo ele sendo tão tímido que eu não corria o risco nenhum de ser abordada com alguma cantada sem graça. E, além do mais, eu, como chefe de uma importante seção da empresa, nunca, absolutamente nunca, teria algum tipo de relação com aquele moço. O que meus colegas iriam dizer?

Era final de ano e inventaram de fazer amigo oculto e aquele tipo de confraternização que eu detesto. Nunca gostei de festa de fim de ano, nem em casa e muito menos no trabalho, onde todo mundo passa falando mal de todo mundo e depois – mágica! – chega a proximidade do Natal e todos ficam imbuídos de um espirito de amor e paz. Fala sério! Que coisa mais chata! Tentei de todas as formas escapar da festa. inventei que iria viajar, que minha mãe estava vindo do interior para me visitar, quase menti que estava sofrendo de alguma doença incurável. Não teve jeito. Fui praticamente obrigada a participar de todo o planejamento da festa. Eu não tinha o menor interesse de saber quem havia me tirado no amigo oculto. Minha intenção era entregar o meu presente e ir para casa.

Quando as entregas começaram, o estagiário apareceu ao meu lado, sorrindo meio tímido. Ignorei-o por completo. Meus colegas notaram que daquela vez o garoto se aproximava mais, com os olhos brilhantes, todo arrumadinho e perfumado. Fiquei praticamente de costas para ele durante toda a festa, tanto que só fui lembrar dele quando chegou a sua vez de revelar seu amigo oculto.

Que era eu. Houve um silêncio no salão quando após vários elogios rasgados, ele anunciou meu nome. Fiquei paralisada de vergonha. Muitos olharam para mim, com sorrisos maldosos. O pobrezinho me esperava no mini palco que montaram para a entrega dos presentes, com uma expressão ansiosa no rosto. Respirei fundo e fui até lá, sem olhar para os lados. Ele me entregou um embrulho muito bonito, com as mãos meio trêmulas e sem saber o porquê, me deu vontade de chorar. Daquele garoto tão simples eu recebia um presente sincero e sei que as palavras que ele disse na frente de todos talvez fossem as poucas verdadeiras que um dia escutei onde trabalhava.

Daquele dia em diante, passei a dar mais atenção àquele garoto que se acordava todo os dias às seis horas da manhã para pegar dois ônibus para ganhar uma bolsa-auxílio que mal pagava sua faculdade. Não, não me apaixonei por ele. Naquela época eu amava um sem vergonha que se tivesse um pingo da personalidade e da humildade daquele menino, teria me feito muito feliz. Mas nunca eu me apaixonei pelas pessoas que talvez me merecessem. Fiquei amiga do estagiário, cujo nome descobri que era Fernando, imediatamente ajustado para Nando, como seus amigos também o chamavam.

Um dia cheguei na empresa e descobri que ele havia ido embora. De uma hora para outra, Nando fôra chamado para trabalhar em outra cidade, ganhando o dobro, e nem teve tempo de se despedir de nós todos. Confesso que fiquei me sentindo sozinha. Lá na empresa eu não tinha mais ninguém com quem conversar. Não demorou, eu que fui embora. Fui em busca de outros caminhos, outros destinos, de palavras sinceras. Meu amigo, este eu nunca mais vi. Será que ele ainda lembra de mim?

Patrícia da Fonseca
Enviado por Patrícia da Fonseca em 27/01/2007
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