A índia e o peão

Os dois moravam no fundo da fazenda do patrão, num velho galpão abandonado transformado em morada. Não eram felizes e nem infelizes: ele sabia que precisava dela para superar a velhice; e ela sabia que não tinha mais ninguém no mundo. E assim, mesmo sem amor ou paixão, dividiam as vidas e as poucas coisas que possuíam. Ele tinha mais tristezas para carregar: fora o maior peão da fazenda. Os cavalos que domava orgulhavam o patrão, ganhavam carreiras de cancha reta e rendiam na lida campeira. Era o maior domador. Mas a idade foi chegando. E quando o patrão sentiu que o peão não daria mais lucro, resolveu fazer uma “obra de caridade” com ele: ofereceu o velho galpão para servir de moradia, com o trato dele zelar pelos arames das cercas. Foi com muita dor no coração que retirou os seus poucos pertences do alojamento dos peões. Nem cavalo tinha, pois nunca recebeu nada pelo que fazia. Era cama, comida e muito trabalho...

Quando chegou no galpão, uma surpresa: já havia uma moradora. Logo reconheceu a velha índia que seguidamente ia até a fazenda para benzer algum peão picado por cobra ou com ferida braba. Enquanto arrumava um canto para acomodar os trastes, ela, imediatamente, começou a fazer uma trouxa com suas roupas velhas e cacarecos. Mas ainda restava um pouco de ternura no coração daquele peão. Com poucas palavras, ele disse que ela podia ficar, pois havia lugar para os dois. Um pouco desconfiada, ela recolocou as suas coisinhas no lugar. Ficaram morando cada qual no seu canto. Ele fez alguns consertos no galpão, para pode morar melhor. Ela olhava, sem dizer nada. Mas o destino resolveu aproximar os dois: ele levou um tombo quando consertava uma parede, ficando desacordado. Ela, mesmo frágil, conseguiu arrastar o velho peão até o quartinho dele. E ficou dias e noites cuidando do doente, fazendo ele tomar alguns chás amargos, tratando com folhas e plantas os seus machucados. Ficou curado. E não deixou ela levar de volta os seus trastes. Ficaram morando juntos.

Mas o tombo havia deixado marcas. E o velho peão, algum tempo depois, sofreu um derrame cerebral. A velha índia, notou a gravidade da situação. E resolveu ir até a fazenda buscar ajuda. Demorou muito para ser entendida. Insistiu. E o patrão resolveu mandar uma carroça buscar o doente e levar até o posto de saúde na vila. Foi quase um dia de viagem. E a índia junto, em silêncio, preocupada com aquele homem que era seu sem ser seu. Foram largados no posto de saúde. Como o estado do doente era grave, a prefeitura encaminhou, numa ambulância, para um hospital na capital. Ela sempre junto, de carona.

Os 400 quilômetros de ambulância debilitaram mais o doente. O peão foi direto para a UTI. E ela, durante 18 dias, ficou acompanhando o caso, dormindo nos bancos do corredor do hospital, comendo alguma coisa quando alguém ficava com pena, usando os sanitários para lavar as suas roupinhas velhas e fazer a sua higiene. Ficou conhecida como a “velha do peão”. Só podia entrar na UTI e ficar ao lado dele meia hora por dia. Era o seu momento mais feliz. Mas a felicidade dura pouco: o peão não resistiu. E ela chorou baixinho por ele e também por ela: sozinha naquele lugar, sem nenhum conhecido, sem nada...

Uma freira, que estava com um familiar no hospital, entendeu todo o drama. E levou a velha índia para o colégio católico onde trabalhava. Hoje, quase um ano depois daqueles dias sofridos, ela cuida do jardim da escola. E tem o seu quartinho para morar com dignidade. Está garantindo uma velhice mais feliz. De vez em quando, quando brota uma saudade no coração, ela colhe uma das flores mais bonitas e oferece para Nossa Senhora. A Virgem entende o que diz o seu silêncio: ela só quer, algum dia, poder encontrar o seu peão nos jardins da eternidade. Por certo vai conseguir...

Milton Souza
Enviado por Milton Souza em 29/01/2007
Código do texto: T362652