Meninos de rua: o cotidiano do asfalto

Estavam lá novamente. Em menor número, mas desenhados no sol quente do Recife. Caminhavam empoeirados pelas transversais de uma grande avenida, que por sinal, avenida grande em suas vidas de abandonados. Seus trajes condiziam com suas realidades desamparadas. Pequeninos ainda por cima fumavam, fumavam qualquer bituca de cigarro descartado, qualquer góia que lhes aprouvesse.

Esperavam pra dar um bote. Uma senhora assustada passava tirando lascas da cinza de seus corpos. Uma pequena calçada dividia menores e transeuntes descuidados. Descuidados das possibilidades de trabalho daquelas pequenas crianças de rua. Embriagados planejavam assaltar carros no trânsito, assaltar pessoas nas estreitas beiras de estrada reservadas aos pedestres. Mais recuado, um vendedor de coxinha os observava indignado com a sutileza do gesto rápido dos pequenos. Um ar ameaçador emanava daquele vendedor. Os garotos não percebiam a ira. Não dava pra notar ira alguma, estavam lentos de pensamentos, estavam lentos no andar e rápidos nas mãos, rápidos se precisassem dos pés. E o vendedor de coxinhas ameaçava:

– Se eles mexerem com um dos meus irmãos eu derrubo e piso em cima. Mato mesmo.

Situação conflituosa aquela de tão minguados seres: morrer num mórbido ambiente de trabalho. Trabalho de rua, arriscoso, medonho.

Eles se riam. Não queriam saber o resultado de seus atos, simplesmente se riam. Uma gíria perturbava suas comunicações, seus atos de falar, de trocar idéias. Algo inteligível no pequeno círculo formado às oito da manhã. Círculo de não mais que três. Divisão de grupo tático avançado pra arrumar o vintém do dia a dia, o fumo do cotidiano, a cola de sapateiro matinal.

O tempo foi rápido, enquanto outros transeuntes eram alertados do perigo iminente, do trabalho desvalido daqueles pingos de gente metidos a senhores do pedaço, senhores do asfalto. Os pedestres se preparavam para passar entre suas majestades marginais. Endureciam a cara, como se batessem continência em quartéis. Pareciam participar de uma revista à tropa. Passavam rígidos, com caras de mau. O desleixo dos pirralhos não causava espanto. A ordem do dia era não vacilar. Vacilavam eles, ínfimas fagulhas de uma sociedade infantil, nua e crua: a sociedade quase zumbi, com seu ópio barato, com seus fardos pesados a carregar e a esmurrar as ruas e avenidas, vielas e palafitas.

O pão não estava garantido. Sentados, permaneceram enquanto suas imagens foram se fixando num horizonte diferente, nebuloso e até hoje sem solução eficaz.

– Não ofendam nossas crianças não, a dor penetrante que padece seus buchos não é a mesma que padece nossos corações.

Zé Beto
Enviado por Zé Beto em 31/01/2007
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