Anjos

A música do Hino, com graves vibrantes ecoava além das paredes,

Falava em anjos que voavam e se posicionavam sobre o altar.

A frase ouvida ficou a soar na sua cabecinha enquanto se dirigia a entrada.

Primeira vez que entrava numa Igreja, depois de seu batizado há quatro anos.

Seus olhos não paravam, rodopiavam entre o teto e o Altar, bailavam no compasso da música e na sua cabecinha a letra aguçava sua curiosidade.

“-Não sei se a terra subiu ou se o céu desceu,

só que está cheio de anjos de Deus

por que o próprio Deus está aqui”

Aperta a mão da mãe e com o olhar da sua inocência pergunta:

-Onde está mamãe?

A mãe sem entender a pergunta faz o sinal característico lhe pedindo silencio.

Ela continua a procurar com os olhos, o hino repete o refrão:

“Tem anjos voando neste lugar, no meio do povo encima do altar, subindo e descendo em todas as direções”

Desta vez ela pergunta direto-

-Mamãe onde estão os anjos?

A mãe concentrada na Missa não entende a pergunta e se limita a alisar os seu cabelos.

A menina não diz nada, olha mais uma vez sobre o Altar, vê a imagem de Jesus crucificado, o artista que a confeccionou foi detalhista.O sangue dos cravos das mãos e dos pés pareciam escorrer, a cor do rosto pálido moribundo, realçado pelos veios escarlates que escorriam de sua cabeça provocado pela coroa de espinhos.

Os olhos da menina pararam, seu coraçãozinho acelerava, a boca semi-aberta a procura de ar.De seus olhos, lágrimas escorriam mudas.

O padre abençoava o povo, a missa terminara.

Mãe tem sexto sentido.Não se benzeu, comum ao ato final.

Olha sua filhinha assustada:

-Que foi minha filha? Porque você está chorando?

Entre soluços a pequena menina responde:

-Mãe todo mundo estava dizendo que tinha anjos aqui... (silêncio).

-E o que é que tem querida?Por isso que você está chorando?

-É que estou com raiva deles, olha lá!

Ela apontava para a imagem de Jesus.

-É Jesus Cristo querida, nosso Pai do Céu!

-Eu sei mamãe, eu gosto muito dele!

A Igreja estava vazia, o coroinha retirava o microfone e apagava as velas laterais do altar, o Padre despia a batina e guardava o cálice folheado a ouro, a mãe olhava Cristo.

Não pensava em nada, a menina cabisbaixa enxugava o rostinho.

Saíram vagarosamente. Ao chegarem à porta, a menina vira-se e vê o Padre caminhando em sua direção.Puxa a mão da mãe que pára.

O Padre lhe dá um sorriso e ela diz:

-Moço!

A mãe lhe retruca:

-Padre, querida.

A menina continua:

Moço Padre é o senhor que cuida daqui né?

-De certa forma sim.

-Então o Senhor manda estes anjos todos embora!

-Como assim querida?

-É que eles ficaram voando em todas as direções e não ajudaram Jesus!!!

Tá ele lá todo machucado e saindo sangue!

A menina entretida com suas bonecas, esquecera dos anjos.

A mãe a observava com olhar de ternura.

O Padre ajoelhado aos pés da Imagem de Jesus crucificado, agradecia a Deus a lição de amor.