Que dia!
Que dia!
A garagem abre e o aviso sonoro irrita quem sai e quem passa.
Não faz bip-bip-bip, tampouco om-om-om; faz sim, um piri-pipiiiiiiiii-piri interminável.
Podem acreditar, é o aviso sonoro mais irritante que já se ouviu. O morador do prédio quando sai, fica bufando já de saída.
O prédio fica no centro da cidade e dizem sarcasticamente que foi construído baseado numa planta de um engenheiro paraguaio.
Mas a nacionalidade do engenheiro não vem ao caso; ou melhor, às vezes vem, porque nove entre dez estrelas do volante voltam de ré ou deixam morrer o motor na rampa que dá acesso à rua. Deve ter aproximadamente mais de quarenta e cinco graus de inclinação.
Praxedes, doutor Praxedes para os porteiros, liga o motor do seu carro, o pantera cor de rosa para os porteiros, apelido do carro em razão da cor. Dá a partida e o carro não pega. Puxa o afogador com a mão direita e, com a esquerda, dá um murro no volante, desmontando a cobertura da buzina.
Após vinte e uma tentativas e a bateria quase descarregada, o motor pega. Suando que nem corredor de maratona, ele aciona o controle remoto para abrir a porta da garagem e o piri-pipiiiiiii-piri-piri, etc, etc, etc.
-Na próxima reunião, vou encher o saco do síndico mais uma vez.
Seria a trigésima reclamação, mas não importava. Com certeza, ele a faria.
O Chevette aponta na porta da garagem, para aguardar uma oportunidade de entrar na rua, que naquela hora encontrava-se um inferno.
-Como é que a Alberta me manda no Banco essa hora! Meio dia é hora de almoço.
E o piri-pipiiiiiiiiiiii-piri, etc, etc, etc, não parava.
Uma alma bondosa lhe fez sinal para que ele entre no fluxo do trânsito.
Agradeceu com um gesto, porque a buzina parou de funcionar com o murro.
Primeira, freia, pisa na embreagem, freia, pisa na embreagem, primeira, segunda, freia, pisa na embreagem, primeira freia e o motor apaga. Vira a chave, dá a partida, só ouve buzinas, vira a chave, o carro rosna, mas não ataca. Desiste.
Sai do carro e começa a empurrar sozinho. Empurra, segura, empurra, empurra, segura, quase bate no próximo da fila, freia a tempo. As veias do pescoço estavam dilatadas e sentiu vontade de abandonar o carro ali mesmo, mas desistiu.
A poucos metros uma vaga de estacionamento, coloca toda a sua força, só a dele porque ninguém apareceu para ajudá-lo.
Empurrou demais e passou da vaga. Encosta o peito no capô dianteiro e vê apavorado um carro entrar direto na sua vaga. Perde o controle, parte para cima do motorista. Era uma motorista e Praxedes, muito educado, jamais ofenderia uma mulher.
-Tinha que ser esta desgraçada, pensou. A sua educação lhe permitia pensar.
Voltou para o carro e nem ouviu quando ela gritou.
-Meu senhor, não vou demorar!
Praxedes abre o capô traseiro, tira o triângulo e começa a desdobrá-lo. Atrás dele, tudo congestionado. A rua só permitia a passagem em fila indiana, com o Chevette no meio do caminho.
Desgraça pouca é bobagem.
Um guarda vem correndo pela calçada, apitando feito louco. Praxedes já estava cheio de tantos pi-pis e buzinaços. Não deu a mínima.
-“Ô elemento!” Retire imediatamente este veículo daqui, o senhor não está vendo que o trânsito está congestionado por sua causa?
Espere só um pouquinho que eu vou colocá-lo no bolso e eu só estava empurrando porque não quis gastar gasolina.( Não falou, mas pensou.)
-O senhor não poderia me chamar um guincho?
-Não, não posso, só com ordem superiores.
-E onde está seu superior?
-Deve estar aí pelo centro, fazendo ronda de motocicleta.
Neste ínterim, a motorista que havia surrupiado o seu espaço começa a manobrar para sair. Praxedes imediatamente se posiciona para empurrar o Chevette para a vaga. O guarda só observa. Um carro pára, permitindo que ele começasse a empurrar.
O guarda lhe chama. -“Ô cidadão!”
Ele pára de empurrar, o motorista buzina e faz sinal para que ele se apresse. Olha para o guarda e pergunta.
-O que é seu guarda?
-Aí o senhor não pode estacionar.
-Por quê? Se até agora havia um carro ali!
-Eu não vi.
-Mas saiu agora!
-“Ô cidadão”! O Senhor não está atendendo à ordem de uma autoridade.
-Então, repita, por favor.
-Eu não vi!
Praxedes balançou a cabeça. Um carro estaciona direto na vaga deixada pela mulher e não permitida pelo guarda.
-Olha aí, olha aí! Apontava para o carro que manobrava.
-Olha aí o que, elemento?
-O carro, o carro!
-Eu sei que é um carro, cidadão.
-O senhor não disse que aqui não pode estacionar?
-Disse e repito, não pode!
-Tu és um louco, abobado, tá querendo arrumar encrenca comigo?
Calmamente, o guarda destranca o coldre e coloca a mão no cabo da arma, movimento percebido por Praxedes. As veias do seu pescoço pareciam mangueiras de meia polegada querendo explodir, os olhos saiam das órbitas e escorriam em direção ao nariz. Mudou de vermelho pra branco. As narinas inflavam e desinflavam como dois balões.
O guarda, sem retirar a mão do coldre e com as pernas tremendo, responde gaguejando.
-Cidadão, se o Senhor não retirar este carro daqui, serei obrigado a autuá-lo por atrapalhar o trânsito, por estacionar em via pública e desacatar autoridade.
Foi demais! Praxedes tira os óculos, que estavam respingando de suor e vai em direção ao guarda.
O buzinaço parou, uma senhora gorda que estava na farmácia em frente, gritou para São Jorge e desmaiou, talvez porque São Jorge foi cassado. Cai em cima da balança e fica estatelada no chão.
No meio da rua, Praxedes gritava.
-Hei, hei, seu guarda, volte aqui! Vem me ajudar a empurrar!...
Corria entre os carros atrás do guarda.