"O SOLITÁRIO"

“O SOLITÀRIO”

De cabeça baixa, Celso descia a pequena escada do seu quarto com o semblante abatido: sua cabeça girava, não conseguia organizar suas idéias. Lembranças antigas surgiam em sua mente, trazendo de volta uma estória do passado que há muito tentava esquecer; mas estava ali, na sua frente, sorrindo para ele com meiguice no olhar, como a encontrar o sonho dourado da sua vida, a dádiva divina que acalentou desde menina... Conhecer seu pai...

Remoendo o passado, Celso procurava lembrar-se do dia em que Letícia procurou-o, chorando muito, dizendo estar grávida. Não tinha coragem de contar em casa. Tinha medo do pai, um homem grosseiro que espancava a esposa e a filha, também, não recebia, sequer, a atenção e o carinho do pai. A mãe, sempre submissa, embora amando a filha, não tinha forças para protegê-la...

Impactado com a notícia, Celso, um adolescente inseguro, com dezessete anos, pediu-lhe que tirasse aquela criança, pois não tinham condições de criá-la; ambos estudavam, ainda, no colegial...

Letícia, sentindo-se desprotegida mas, com a força do sentimento materno, resolveu ter aquele bebê, custasse o que custasse, mas não mataria seu filho... Contando com o apoio da mãe, Letícia resolveu partir para a cidade onde sua tia e madrinha morava, sabendo que lá receberia o apoio que necessitava... Assim o fez, foi recebida com carinho pela tia e quando sua filhinha nasceu, a mãe, cansada da vida de sofrimento, resolveu, também seguir o mesmo caminho e foi encontrar-se com a filha e com a netinha... Deixou para trás o marido mal-humorado que só fazia reclamar e xingar.

Enquanto isso, Celso, procurando uma forma de contornar a situação que ele e sua namorada, por imprudência, haviam provocado, recorreu aos pais, pedindo-lhes ajuda, mas esses, também, por intransigência, omitiram-se...

- Quem tem suas cabras, que as prendam!..._ diziam...

Celso ainda procurou Letícia para tentarem uma fuga, mas chegou tarde... Ela já havia partido sem avisá-lo... A partir daí, sua consciência virou um redemoinho: um misto de alívio e, ao mesmo tempo, de remorso. Para ele, as noites pareciam mais longas... Quando conseguia pegar no sono, sonhava com choro de criança, um choro triste, martelando os seus ouvidos... E assim, por um longo tempo, Celso sofreu por ter abdicado de seu filho, mas procurava justificativa:

- Deus há de me perdoar; eu tentei, mas ela não soube esperar... Não posso ficar sofrendo a vida toda, tenho que estudar e me formar... Mais tarde, quem sabe a gente se encontra? Vou procurar esquecer, para que eu possa continuar minha vida num ritmo normal. Nada melhor do que procurar outros relacionamentos e me divertir...

Anos mais tarde, Celso casou-se com Marilda e foi feliz. Ficaram casados quinze anos, mas, por sorte do destino, não tiveram filhos... Sua esposa era bondosa e sempre o incentivava a procurar o filho ou filha que não conhecera... Mas Celso relutava, mal sabia ele que sua esposa tinha pouco tempo de vida... Até, então, não desconfiava, porque Marilda frequentemente ia ao médico e tomava tantos remédios... Antes de morrer, Marilda escreveu para Letícia narrando o seu caso, pedindo que levasse o seu filho ou filha para conhecer o pai, pois garantia que ele sempre a amou e sofreu a vida toda pela sua insegurança e abandono...

Marilda faleceu. Só, com a sua solidão, Celso virou um nada, um autômato, que fazia as coisas essenciais e, a seguir, fechava-se na sua concha, mal comia e mal falava com as pessoas. Finalmente entrou numa depressão profunda, tornando-se o “SOLITÁRIO” do pedaço, como era conhecido.

Jogado numa cama, escutou a campainha tocar; só teve forças para falar:

- A porta está aberta, pode entrar...

- Com licença? Estou entrando... Onde está o senhor?... __perguntou com aquela voz de menina moça...

- Eu lhe conheço? __ não pai, mas vai conhecer... Sou Lívia, sua filha!

- O quê? Minha filha?? Não acredito... __ Celso levantou da cama entre feliz e assustado ao mesmo tempo, não sabia o que dizer... __ Estou aqui, no quarto, espere um pouco, vou me recompor... ( foi correndo ao banheiro, lavou o rosto, penteou o cabelo e trocou a camisa. Olhou-se no espelho; estava um lixo, a barba por fazer, parecia dez anos mais velho e, no entanto, tinha só trinta e oito anos...) Mas não podia deixá-la tanto tampo na sala, esperando-o... Abriu a porta e deu com o sorriso mais lindo que jamais vira. Tinha os olhos verdes da mãe, cabelo castanho claro, como o seu e era bela como uma rosa desabrochando!... Abraçou-a sorrindo, sorrindo muito, não parava de sorrir, abraçava-a de novo, pedindo-lhe perdão...

- Não precisa pai! Estou tão feliz de encontrá-lo que nem sei como expressar... Minha mãe, também, vai ficar tão feliz quanto eu ... Ela nunca o esqueceu. O senhor foi o único homem na sua vida. Não quis casar, dedicando-se exclusivamente ao trabalho a fim de me educar e ajudar minha tia e minha avó no sustento da casa. O senhor gostaria de vê-la novamente?

- É só o que quero! Eu também, apesar de ter-me casado com Marilda, uma grande mulher, nunca esqueci Letícia... Foi minha primeira namorada e teríamos nos casado se não fosse a nossa juventude arrebatada e a intransigência dos nossos pais, que não souberam nos dar apoio naquela ocasião.

O encontro com Letícia foi emocionante: choravam e se abraçavam intensamente. Quem mais vibrava era Lívia, a menina moça que realizara seu sonho, o mais sonhado... Celso, com tanta felicidade, deu um pontapé na depressão e foi morar com a família, agora numerosa: Letícia, sua amada, Lívia, sua querida filha , sua sogra Dona Lúcia e a tia julieta...

Em agradecimento, foram todos ao cemitério, rezar pela alma de Marilda e agradecer-lhe pela bondade sublime que teve, antes de morrer, a idéia de aproximá-los...

“Celso, o solitário, agora é o mais feliz do pedaço.”

Tete Brito
Enviado por Tete Brito em 28/05/2012
Reeditado em 28/05/2012
Código do texto: T3693158