O desabafo da professora

Era dia de encerramento das aulas e nós não esperávamos que fosse um encerramento de aulas diferente do usual. Os professores fariam discursos, os pais abraçariam os alunos que haviam tido o melhor desempenho e nós fingiriamos estar entusiasmados. Eu me sentara bem no fim, na última cadeira, esperando que o tempo não corresse tão devagar. Meus pais não haviam ido, embora eu houvesse tido um bom desempenho e minhas redações estivessem entre as melhores da turma. Haviam se desculpado e eu fiz de conta que não me importava com o fato de que ligavam mais para o trabalho do que para mim, uma aluna de oitavo ano do ensino fundamental de escola pública que vivia isolada da turma por ser uma das poucas que se interessavam em estudar. A grande maioria dos meus colegas fazia a maior bagunça em sala de aula e eu, por não perturbar e participar, era desprezada por eles.

Os professores foram, um a um, subindo e fazendo os discursos até que chegou a vez de uma jovem professora de Português. Ela viera substituir a nossa professora, que estava se tratando de um câncer. Era uma moça de ar tímido e muito esforçada. Eu sentira pena dela, que se esforçara tanto em ensinar, mas não conseguira por causa da arruaça dos meus colegas. E eu me sentia mal pois, o barulho não me permitira acompanhar bem muitas das suas aulas.

A diretora pediu que ela dissesse o que achara da experiência de nos ensinar e ela disse que tinha muito o que dizer:

-Bem, eu li a avaliação que os alunos que ensinei nesta escola fizeram de mim. Isso me estimulou a dizer algumas palavras.

-Claro, diga-as. encorajou a diretora.

-O teste foi anônimo e ninguem assinou seu nome. Assim, eles disseram o que bem entenderam das minhas aulas.

-Por que diz isso? a diretora não entendeu.

-Disseram que eu não soube interagir com eles, que eu não consegui explicar bem a matéria, que minhas aulas eram paradas, não tinham dinamismo e que eu não soube impor autoridade.

-Bem, você ... era evidente que a diretora estava surpresa.

-Estranho é que os alunos que reclamam que eu não tinha autoridade foram os mesmos que não paravam de conversar e de falar aos celulares enquanto eu me esforçava em transmitir o assunto e, sempre que eu pedia silêncio, ficavam olhando para mim com ar de troça. Eu tentei explicar a matéria detalhadamente e eles, em vez de prestar atenção, ficavam ouvindo música ou fazendo barulho. Quando eu passava as atividades, ninguém sabia fazer e, se diziam que tinham dúvidas, eu explicava mas nenhum deles queria se esforçar para responder. Queriam que eu lhes desse as respostas prontas.

-Ora, calma. pediu a diretora.

-E quase nenhum fazia os deveres de casa.Eu perdi muito tempo com isso. Não queriam estudar, não prestavam atenção, não respeitavam minhas aulas. Hoje em dia, os alunos zombam dos professores, que se matam tentando ensinar para que eles tenham condições de adquirir conhecimentos para encontrar seus caminhos no futuro. O professor se sente um idiota, elaborando aulas, explicando as matérias e vendo que os alunos não se importam nem um pouco.Depois, quando se queixam que não aprendem, a culpa é só do professor, que dizem que não sabe ensinar, que não usa uma linguagem acessível, que é um mole sem autoridade. Somente o professor tem que se esforçar, mas eles não.

Nós não conseguimos falar. Os professores e alunos ficaram boquiabertos com o desabafo da professora, que continuou:

-Professor, em sala de aula, é o saco de pancadas, que perde tempo com alunos indisciplinados que riem dele, fazendo-o de trouxa mas, quando esses alunos reclamam que não aprendem, o professor é o único culpado, como se aprender só dependesse dele. Senti-me uma idiota a maior parte do tempo. Tentei usar o diálogo e fui considerada fraca e sem presença. Engraçado como os jovens estudantes dizem que nós não queremos dialogar com eles mas, quando tentamos dialogar, riem de nós e agem com cinismo. Se somos tolerantes, somos passivos e sem moral, se somos duros, reclamam com os pais e os diretores que somos tiranos.Bem, vou me calar.

Resoluta, ela desceu e foi embora. Nós a vimos deixar a escola de cabeça erguida, ar indignado.

Nunca mais soubemos dela. Suas palavras, porém, não me sairam da cabeça. Penso muito em como é frustrante quando damos o nosso melhor e não somos reconhecidos.