Opiniões de Adejante e Manezim sobre separação de casais

Manezim sempre me pareceu um sujeito insatisfeito, resmungão, o que faz lembrar um velho ditado: “é muito de culpados serem sofridos”, sei que esse é o seu normal, difícil é encontrá-lo bem-humorado e prazenteiro. Às vezes o vejo na praça, em frente a igreja matriz ou numa das ruas do centro passando, com alguns livros debaixo do braço. A visão dele me faz lembrar seu parceiro de conversas, o gaiato e simples Adejante. Manezim como ex-repentista, se não é uma figura de curta visão, ainda é do tipo que não se contenta com a sua carência de argumentação. Para ele, vencer é: melhor dizer; é mostrar maior conhecimento; é rebater se possível as idéias do oponente, mesmo às custas de desatinados gritos e falácias as mais torpes. Não vejo Adejante impaciente nem com incontinência compulsiva por falar, é sereno, refletido e quase sempre risonho, mesmo quando está ressacado. O barbudo fumante foi e é trabalhador, conhece outros horizontes e não está preocupado em melhor argumentar nada, ele é simplesmente calejado pela vivência, contatos e conversas com pessoas de outros estados e também porque é um sujeito dotado de boa dose de inteligência e despretensão.

Depois da querela sobre o jogo de futebol, presenciei outro lenga-lenga dos dois e achei digna de ser exposta aqui, foi assim: Manezim no balcão do bar, contava de sua separação, vivera com uma mulher e tiveram uma filha, depois de uns oito anos separaram-se, não deu mais certo e aí cada um foi pro seu lado. A mulher ficou com a filha e ele ficou só e não quis arranjar mais mulher pra conviver. O que gerou e fez se estender um pouco a discussão dos dois, foram, os casos de separação que acontecem com os outros. Manezim mesmo foi quem iniciou e fez modular a conversa que, no meio artístico há uma imoralidade muito grande entre atores, cantores, apresentadores famosos, ídolos dos esportes e celebridades em geral. Adejante é todo ouvidos nesses momentos e dá atenção aos comentários do colega, mas como esses assuntos são teclas muito batidas e, depois de perceber Manezim falar coisa tão comum, Adejante baixa a cabeça e olha em diagonal pro chão e faz uma cara onde olhos boca e até respiração denotam um leve mas mórbido pesar, com quem expressa sentir um mal-estar de cólica, um enjoo ou coisa assim. É uma demonstração de sonolência reprovadora. Só isso já me diverte e começo a me segurar pra não rir, por dentro estou rindo, explico, na verdade não sou de provocar briga entre gato e cachorro mas não dispenso de vê-las se já estão acontecendo, imaginei que por ali vinha coisa pra dar pano pras mangas, e não me enganei.

Ao ouvir as preleções de Manezim e depois de um bom trago do cigarro, Adejante com a intenção de dar razão ao poeta e acabar por ali o lenga-lenga que sabe não vai levar a nada, diz:

- é notório, quem é famoso tem vida movimentada e cercada de glamour, ademais artistas são artistas, pessoas que se não estão acima das leis, são o mais das vezes liberais e nem sempre constantes.

Adejante para, por achar que já disse bastante, mas Manezin quer tagarelar, quer remexer mais ainda o assunto.

- é uma pouca vergonha o que acontece na vida de pessoas comuns que assistem novelas e pensam que podem fazer tudo que os artistas fazem, fora e dentro das cenas...

- é o modismo que faz isso acontecer caro poeta, é o se achar interessante ser moderno...

- eu sei, mas parece que por lá as coisas acontecem e é tudo normal, aqui quando se dá um caso qualquer de separação, a língua do povo não perdoa e aí vem os podres de ambos os lados. Se a mulher aprontou mesmo que seja pra se vingar das traições do marido e o povo sabe, então o tal, da noite pro dia amanhece com a cabeça toda enfeitada na visão dos desocupados.

-Espera aí, isso de mexerico se dá igual lá e cá, mas rapaz existe de tudo, até trato de casais por lá entre os famosos que admitem relações extras por puro prazer.

- é uma sem-vergonhice só, não tô dizendo?!

- mas tem as exceções!

- deve ter, mas no geral devia prevalecer a regra e não é assim.

- o colega deve estar bem inteirado, mas esse negócio de moral, bom-costume, lei, varia muito de um pra outro, principalmente quando se trata de relacionamento entre homem e mulher.

-meu caro Adejante eu mesmo chego a pensar que a mulherada hoje só quer mesmo é saber de quem tem dinheiro!

-é?!

- tá na cara, não acha?

-Manezin escute o que eu digo: a boa mulher, é jóia que não tem preço!

- isso parece frase dita por Salomão rapaz, bem antes de Cristo e se lembre que Dalila deve ter sido dessa mesma época

- o bicho homem tem a dualidade em sua natureza. O Sansão ou qualquer outro que se junte com uma cascavel tá querendo o que? Me diga?

- creio que a coisa hoje está pior, tá pior com o movimento das feministas, é mulher mandando em tudo, até na presidência do país, depois disso já era, o bicho homem está em decadência.

Adejante nesse ponto parou e pensou como quem tenta achar algum dizer, para ver se o chato concordava e dava por encerrado o assunto cacete e diz.

- Poeta Manezin não deixo de lhe dar razão, mas a propósito, observe que muitas vezes as boas donas de casa, as muitas porque não são poucas, que ainda procuram ajudar os maridos, muitas vezes saem às ruas batendo panelas e fazendo protestos reivindicando direitos pros seus parceiros, quando estes não tem o direito de fazer greves, o amigo sabe não sabe?

- sei sim, já vi pela televisão, mas isso é muito raro aqui no Brasil, em países como a Argentina o negócio é mais sério!

Adejante sentiu que era duro tentar pará-lo, e aí resolveu mudar o tom da conversa pra algo inesperado, põe a mão sobre o ombro do poeta matuto, diminue o tom de voz com quem vai fazer uma confidência e diz.

- mas o poeta também sabe muito bem qual é o outro movimento em prol dos homens que elas fazem muito bem, e que é muitas vezes melhor do que passeatas pelos maridos?

- em prol dos maridos? Não, sinceramente, não.

- o poeta está separado da sua companheira há quanto tempo?

- quinze anos.

- certo, sei, talvez seja por isso...

- por isso o que?

- que você esqueceu...

- esqueceu o que homem, eu não esqueci nada...

- esqueceu sim, e eu vou dizer. O melhor movimento feminista que eu conheço até agora é o que elas fazem com os quadris, ah, ah, ah , ah!

- lá vem você com uma pilhéria no meio do assunto sério, seu pau d`água filho da mãe!

E Manezim se afasta gesticulando pro ar e abanando negativamente a cabeça, enquanto Adejante continua rindo da velha piada de machista e levanta pro garçon o copo vazio pedindo outra ypióca com limão.