O CASO DO LADRÃO MISTERIOSO

O lugarzinho era tranquilo e a vida monótona. A diversão era tomar chimarrão, andar a cavalo e pescar lambaris. Mas as coisas mudam, o progresso chega e muitas vezes vem acompanhado dos problemas que existem nas grandes cidades.

Os larápios andavam infernizando os moradores. O sossego foi-se embora junto com a tranquilidade e a pequena vila que mais parecia uma cidadezinha do interior começou a vivenciar a violência. Antigamente, no máximo sumia um novilho carneado para alguma festa. Ou meia dúzia de espigas de milho que os pescadores da cidade apanhavam na roça. A cidade grande cresceu, se expandiu e agora já estava próxima das chácaras e pequenos sítios existentes.

Alguns pilantras vinham praticar pequenos furtos. Depois de um tempo, além de furtar, deram de espancar os moradores inocentes.

As pessoas andavam assustadas. Medo da violência. Quase todas. João, ao contrario, não se importava muito com nada. Ou melhor, não se preocupava. Não era homem de andar com receios; com medo de qualquer ladrãozinho. Se um deles tentasse lhe assaltar veria o que era bom para a tosse. João até imaginava que reação teria; afugentaria o malandro na porrada.

José, mais comedido, deixou de andar pelas ruelas depois das oito da noite. Tinha amor à vida. Arriscar para que? João tirava sarro de José: “Tu não é homem não? Tá se borrando de medo destes borra bostas?” José dava uma risadinha amarela. Às vezes até ficava com vergonha do seu jeito de não querer correr riscos. O valentão era o João; sujeito corpulento, forte, grandão. Ele era franzino, pacato, falava baixo, meio tímido.

A polícia já não dava conta de tanto BO. Ou melhor, não se importava muito em correr atrás dos vagabundos. Embora a proximidade da cidade grande e do aumento da violência nada se fazia. E nem dava para por culpa no "batalhão". Dois homens para cuidar de tudo. E ainda desarmados. O Zé Soldado só queria saber de tomar chimarrão e jogar caxeta. O Inspetor de Quarteirão, o Doca, só pensava em bolir com mulher alheia.

Já eram umas nove da noite. O José tocava viola na varanda. Cantava uma moda caipira que não lembro a letra. Só lembro de uma frase que era assim: “formiga de oreia não tem sobranceia”. Guardei porque fiquei a imaginar formiga de orelha e de sobrancelha. Nada mais surreal. João ainda não havia chegado. Andava pelos botecos tomando rabo de galo. Eta cara tinhoso, pensou José. Não tem medo de nada. E enquanto assim pensava resolveu que já se fazia hora de lavar os pés e ir se deitar. Botou água até a metade da gamela, sentou-se e colocou os pés para descansar no líquido morno. Hum! A Maria fez pão em casa hoje, falou sozinho, ao perceber o resto do trigo na beirada da gamela.

Passava das onze da noite quando João entrou batendo a porteira. Jogou a botina num canto da cozinha e nem mudou de roupa. Foi se deitar do jeito que estava. Coisa de peão da roça, de onde tinha vindo há pouco.

Lá pelas duas da manhã acordou com dor de barriga, efeito dos rolmops do boteco do Jango. Ou teria sido daqueles ovos de galinha em conserva no vinagre e azeite? Benza Deus. Ainda bem que era homem solteiro. A flatulência quase lhe fazia levitar.

Ia levantar para ir à casinha no fundo do quintal quando ouviu um barulho embaixo da velha casa de madeira. Seriam os malacos tentando roubar alguma coisa? Ficou com medo de sair. E se fossem ladrões? Estariam armados? José apareceu na porta do quarto:

- João, ouvi barulho debaixo da casa. Acho que tem ladrão.

– É. Eu ouvi também, Zé. – O que nós faz, homem?

- Ué, João, o valente aqui é ocê, Vai lá.

– Então vamo junto, criatura.

– Tá bão. Vamo lá.

– Pega a espingarda pica pau, Zé.

– Mas será que dianta, João? Esta espingarda é do tempo do onça, homem.

– Miór do que nada, né Zé.

E assim os dois foram averiguar o que estava acontecendo. O Zé, covarde, na frente, com a pica pau na mão. E o João, valentão logo atrás do Zé, sem conseguir esconder o medo.

Olharam debaixo do porão e viram o brilho de um par de olhos malvados na escuridão. Era o ladrão espreitando as duas vítimas. Estaria armado? João pensou em dar meia volta e fugir, mas as pernas não lhe responderam.

- Taca fogo, Zé. Atira no guaramputo. Atira logo, homem.

O Zé, menos valente mas mais calmo que João, resolveu chegar mais perto do meliante. Para espanto do João, José caiu na gargalhada. Não conseguia parar de rir.

- João, o ladrão usa cavanhaque.

- E daí homem de Deus, atira logo antes que ele reaja.

José continuava a rir sem parar.

-É o Euzébio, João. O ladrão é o Euzébio.

Para alívio do João, valente como era, o meliante era Euzébio, um bode velho e mal cheiroso que vivia solto pela vizinhança.

Béééééééé.

PS: Até hoje não sei o que quer dizer guaramputo.