PAIS DE PRIMEIRA VIAGEM
Naquela sexta-feira, véspera de feriados prolongados, o movimento no Banco era intenso.
Filas enormes se formavam diante dos caixas e nas demais seções de atendimento.
Como sempre acontece nessas ocasiões, vários problemas de pequena ou grande importância surgiam para serem resolvidos pelos funcionários já sobrecarregados e o Correia, o gerente, estava agitado, de olho nos funcionários, no público acumulado no saguão, nos policiais que faziam a segurança, preocupado em prevenir qualquer irregularidade.
Adriano, o caixa, vem ao seu encontro, aflito:
- A Marília (esposa) telefonou. A Milena (filhinha) está passando mal, chorando muito e ela não sabe o que ela tem.
Correia responde irritado:
- Hoje não, Adriano! Com esse movimento! Não tenho quem possa pôr no seu lugar. Fique calmo. Não deve ser nada.
Adriano volta para o guichê, mas, minutos depois a esposa telefona de novo.
- A menina está cada vez pior. Não está nem parando em pé.
Vai de novo atrás do gerente.
Nova negativa.
Volta, a contragosto, ao seu trabalho.
Correia passa por uma das seções internas e comenta com os funcionários:
- Essa mulherzinha do Adriano não lhe dá sossego. Está sempre chamando para uma coisa ou outra.
- Não é tanto assim, defende a Noêmia, criança doente deixa qualquer um fora de si.
- Mas ela já telefonou chamando o marido porque perdeu a chave da porta, porque o cachorro escapou, porque o gás acabou, porque tinha um sujeito mal encarado parado na esquina, porque estava saindo um foguinho no chuveiro...
E quando estava grávida, então! Cada vez que o bebê se mexia, ela telefonava e ele queria ir correndo ver se ela estava bem.
Todos riram e a Celina observou:
- Pelo menos, ninguém pode dizer que ele não seja um marido presente.
- Presente demais pra meu gosto, vociferou o Chefe saindo da sala.
Passando pelas demais seções pode constatar, pelos fiapos de conversa ouvidos, que todos estavam preocupados com a filha do Adriano.
Todos, menos ele.
Margot, da “Abertura de Contas”, como de costume, tagarelava em alta voz com o cliente sentado a sua frente:
- A menina está chorando há horas, ninguém sabe o que ela tem...
Correia começou a ficar preocupado:
- Será que estava sendo insensível? E se, desta vez, pra variar, o caso fosse mesmo grave?
Entrou no guichê do Adriano a tempo de ouvi-lo se desculpando com o cliente por um troco errado.
Marília telefonara mais duas vezes.
A primeira para contar que já avisara a sua mãe e a dele (as duas moravam em outras cidades). A dela já estava a caminho. A dele não conseguira passagem para aquele dia. Só viria no dia seguinte.
A segunda para avisar que telefonara para o médico. Não tinha horário vago aquela tarde, mas podiam levar a menina que ele dava um jeito de atender.
E o Adriano, todo atrapalhado entre papéis, dinheiro e carimbos...
Correia raciocinou:
- Acho que é melhor deixar que ele saia, pois, se não, é capaz ainda de fazer alguma confusão nessa caixa e eu vou acabar tendo de ficar com ele, depois do expediente ajudando a procurar as diferenças.
- Pode ir, Adriano. Eu fico no seu lugar. Mas não esqueça de me trazer o atestado do médico.
Adriano nem ouviu suas últimas palavras. Atravessou correndo o saguão e no minuto seguinte já estava tirando o carro de estacionamento e misturando-se ao trânsito intenso da avenida, desabalada e perigosamente.
Quando atravessou um sinal vermelho ouviu o apito do guarda, mas não parou. Nem uma avalancha o faria parar, muito menos um simples apito!
- Lá vem multa, pensou. Que venha!
Depois de “um século” chegou à casa.
Marilia, rodeada pelas vizinhas solícitas, o esperava carregando a Milena embrulhada em uma manta de lã, gemendo, rouquinha, já sem forças de tanto chorar.
Novamente Adriano enfrenta o trânsito, dessa vez com a Marilia chorando a seu lado com a Milena gemendo no colo.
A secretária do médico tinha sugerido que eles passassem antes por um pronto socorro para que fosse aplicado um analgésico que aliviasse a dor até que o médico pudesse atender.
Foi o que fizeram.
O médico do P.A. receitou às pressas o remédio. Milena estava tão passada que nem reclamou da picada da injeção.
Finalmente chegaram à sala de espera do médico.
Estavam tão aflitos que uma senhora que esperava ficou com pena e cedeu o seu horário para que pudessem ser atendidos logo.
O Dr Raimundo era um médico alegre e descontraído. Especialista não só em doenças infantis, como em paranóias maternais.
Foi logo perguntando:
- Pra que essa manta, com este calorão? Por acaso vieram do Pólo Norte?
- A vizinha disse que era bom agasalhar porque não sabemos ainda o que ela tem.
- Essas vizinhas! São nossas maiores concorrentes!
E então, na sala de exames, Marilia despe a filhinha e quando tira o sapatinho...
O pezinho estava arroxeado, dolorido. Milena chorava quando o tocavam. O sapato estava muito apertado!
Marília olha para o médico entre aliviada e constrangida sem saber o que dizer.
Dr Raimundo dá uma gargalhada:
- Sapato apertado é terrível! Uma vez, quando era mocinho emprestei os sapatos de um amigo para ir a um baile...
Marília não estava interessada na história do médico. Só queria que ele receitasse alguma coisa, mas ele, jocosamente escreveu no receituário:
”UM PAR DE SAPATOS Nº 20”