Zósimo

Ele é esperado por seus amigos no bar, todos atentos a sua chegada para comemorar sua façanha, já são quase quatro da tarde e ele nada. De repente, alguém surge de relance todos correm os olhos para a porta de entrada e lá estava ele, com o paletó no ombro e uma cara que só vendo.

— Chegou nosso homem! Uma rodada por minha conta! — Grita Estácio, abrindo-lhe os braços e dando-lhe um beijo molhado na bochecha.

Foi aquele alvoroço, todo mundo queria saber como havia sido os mínimos detalhes daquela manhã tórrida, com a linda senhora recatada e bem casada com quem ele flertava há dias.

***

O começo de tudo

Certo dia, Zósimo encontra uma linda pequena, muito bem vestida e com um ar de mistério por trás de toda meiguice. Ele se aproxima, mas não consegue dizer nada, como sempre algo lhe travava a fala, e quando falava, gaguejava e era um desastre total. Ela, ao contrário, toma a iniciativa, deixando ele mais sem graça ainda.

— Calor não?! — Chegando mais próximo e dizendo em seu ouvido.

— Gostei de você! — Saindo em seguida, dando uma olhadinha para trás e rebolando como uma cobra venenosa. Ele a segue, e num ato impensado a puxa pelo braço com força.

— Quem é você? Quer dizer, qual seu nome? — Pigarreando a garganta para disfarçar seu nervosismo. Ela quase se derrete sobre Zósimo.

— Aiii! Você tá me machucando, adoro homem grosso! — Ela com uma cara de deixar qualquer um doido, e Zósimo coitado já não sabia o que fazer com tudo isso.

— Me solte, eu tenho que ir. — Preciso te ver de novo! Diz Zósimo. — Ela sorri, e chega mais perto. — Amanhã às 09:00.

— Onde?

— No cemitério!

***

Ele sai atordoado sem conseguir tira-la da cabeça e nem sequer sabe seu nome. Precisa de uma dose imediatamente, corre em direção ao bar.

Depois da dose, avista Estácio, o bar estava lotado, era dia de jogo. Estácio estava alto e não queria ouvir Zósimo, mas ele insiste, tinha que contar para alguém o acontecido ou então explodiria de tanta excitação.

— Homem escuta! Eu conheci uma pequena que só vendo.

— E daí! — Retrucou Estácio não muito interessado. — Olha cara, se tu vieres me pedir dinheiro emprestado vou logo dizendo que estou duro.

— Calma Estácio, escuta. Deixa eu te contar como foi.

— Então pedi mais uma.

— Outra dose, por favor.

***

Quando chega à repartição na segunda-feira vai logo falar com Estácio, tinha que sair cedo para encontrar a pequena. Estava nervoso:

— Estácio, o quê que eu faço? Essa mulher é demais, só vendo Estácio! Só vendo! — Colocando as duas mãos na cabeça.

— Você está nervoso homem! Venha cá e tome uma dose desse conhaque. Onde ela marcou o encontro? — Pergunta Estácio.

— No cemitério.

— Onde? — Pergunta surpreso, Estácio.

— Isso, no cemitério.

— Cemitério, essa mulher realmente está até me surpreendendo. Logo eu que sou uma cara experiente, já comi meio mundo de mulher... Olha só, escuta aqui! Você tem que mostrar firmeza, tem que tomar conta da situação, entende? Tem que mostrar quem é o homem da estória. — Colocando o dedo na cara de Zósimo, que estava começando a ficar com medo. É quase expulso da sala:

— E não me volte com más notícias!

***

O cemitério estava quase vazio, era um lugar estranho e sem muita demora a encontra no meio das lápides floridas. Antes de se aproximar decide observa-la um pouco, aprecia seu belo corpo, frágil e seu rosto triste, mas com um quê de cinismo por trás de tudo.

— Me atrasei? — Enfim, se aproximando Zósimo.

— Não! Chegou bem na hora. — Com aquela cara de novo.

— Não resiste e a beija com um apetite incontrolável, como se sugasse toda sua juventude.

— Precisamos nos encontrar em um lugar a sós! — Zósimo nervoso, coçando os bolsos como se procurasse algo.

— Quando? Agora? — pergunta ela, se recompondo do beijo.

— Não, tenho que conseguir um lugar seguro antes. Vamos sentar um pouco.

— Não posso, tenho que ir! Estou atrasada, tenho que encontrar meu marido. — Dando-lhe um beijo e ferindo-lhe os lábios com uma mordida.

— Ai! — Sentindo o gosto do sangue na boca.

— Como? Seu o quê? — Zósimo com cara de assustado, sentando em uma jazido.

— Meu marido, você não sabia?

— Não, aliás, não sei nem seu nome.

— Melhor assim querido! — Sentando em seu colo e falando em seu ouvido:

— Espero que resolva logo um lugar para a gente se encontrar, estou ficando louca com sua demora. — E deixa em seu bolso um bilhete com uma marca de batom.

***

Sai atordoado e fica preso em um cortejo, tenta passar, mas não consegue devido à multidão que se seguia. Estava desorientado, aquela mulher o deixava doido, tinha muito fogo e era jovem, linda e casada. — Meu Deus era casada! Mas como pode tanta beleza em um ser tão perigoso, parecia uma menina perdida, mas não, traia o marido, mas como pode? Como pode? — Depois de todo alvoroço consegue sair do cemitério, mas ainda em devaneio: — Quem será o marido traído? Será que eu conheço? E se for um matador sanguinário? Meu Deus aonde eu vim me meter. Mas pelo menos vale a pena, a pequena é de primeira. De uma coisa estava certo, o marido deve ser um bundão! Isso mesmo, uma mulher dessas assim solta no mundo. — Ainda sentia o gosto de sangue na boca.

Quando chega à repartição, Ulisses se aproxima e vê seu ferimento:

— To vendo que a coisa foi boa camarada! E aí deu um trato nela? — Sentando em seu birô.

— Rapaz, to besta. Adivinha o que?

— O que? Não me diga que a mulher era homem? E de bigode e tudo?

— Claro que não! Que bigode o quê! Tá maluco? A mulher é casada, isso sim, casada e muito bem de vida, por sinal. Deve ser casada com algum desses granfinos que andam por aí de casaca e bico fino.

— Rapaz, to besta! — Ulisses pegando um cigarro na mesa de Zósimo.

— Mas olha só, ela é de uma honestidade! Mais honesta do que muitas que andam por aí se dizendo santa e já viu... É por isso que eu ainda vou ficar com ela; pela honestidade.

***

Passados Alguns dias

Zósimo estava saindo da repartição e o Estácio esperava a mulher que lhe daria uma carona, então ele decide ficar um pouco com o amigo e jogar conversa fora.

— Pois é rapaz, casar é bom, mas o bom mesmo é se separar! Isso é que é o verdadeiro paraíso. — Dando uma risada e batendo nas costas de Zósimo.

— Olha rapaz, tudo depende de honestidade. Minha mulher, por exemplo, essa eu ponho a mão e... Quer saber? E os dois pés no fogo. Não tem ciúmes de mim, não reclama, nem quando eu chego tarde e com cheiro de bebida em casa. É uma santa! E é mais nova que eu hein, apaixonadíssima, não quer saber de outro homem, nunca me trairia.

Estácio estava casado há pouco mais de um ano, e pelo que contava vivia numa eterna lua de mel, mas não tinha deixado sua vida de solteiro, vivia de farras, sempre saia com o pessoal da repartição e sempre contava uns casos aqui e ali.

— Pronto chegou! Venha conhecer minha senhora!

— Filha, esse é Zósimo! Meu camarada aqui da repartição, ótimo funcionário e amigo, e digo mais, meu braço direito. — Zósimo quase cai para trás. Era ela, a sua pequena era a mulher do Estácio. Ela abre um belo sorriso:

— Muito prazer, Zósimo! — Ele fica sem fala e quase desmaia. Não consegue dizer nada apenas um sorriso meia boca.

— Não ligue não minha filha, ele é assim mesmo, estranho como todo! — Entrando no carro Estácio. — Olha só! Vai para casa e fica tranqüilo, amanhã a gente conversa sobre aquele assunto.

***

É a mulher do Estácio! — Zósimo só conseguia repetir isso durante quase uma hora. Acabava de chegar em casa e só pensava nela, na mulher do Estácio, seu camarada e chefe. — É a mulher do Estácio! É a mulher do Estácio!

Depois desse dia decidiu não continuar mais com o caso, segundo ele, “uma loucura! Loucura!” Mas, não conseguia tira-la da cabeça. Percebeu também que o Estácio havia mudado, estava diferente. Parecia com algum problema em casa, outro dia dormiu no escritório. Na repartição falavam que a mulher não o queria mais, não agüentava mais sua vida de solteiro. Mas ninguém sabia a verdade, e Zósimo temia mais ainda.

No fim do expediente, Estácio mandar chamar Zósimo em sua sala e entrega-lhe um bilhete e manda-o ler somente em casa. Zósimo não agüenta, vai até o banheiro e lê que se tratava de um encontro com Estácio.

***

O final

Zósimo encontra Estácio no lugar marcado, estava muito nervoso, — Será que ela seria capaz de contar? Meu Deus, ele sabe de tudo, aquela louca contou tudo. Louca! Louca! — Pensava Zósimo.

Estácio parecia amigável, mas com certo temor que não fazia jus à sua pessoa. Lhe serviu uma bebida e começou a falar:

— Meu rapaz acho que deve ter achado estranho esse meu convite, mas devo lhe adiantar que será bom para ambas as partes envolvidas. — Zósimo não consegue respirar, tenta pensar no que fazer quando Estácio partir para cima dele.

— Olha só Zósimo, eu sei de tudo, sei que a tua pequena é a minha mulher. — Zósimo interrompe.

— Estácio olha só eu não sabia!

— Cala a boca Zósimo! Deixa eu falar! — Sentando no sofá de cabeça baixa Estácio. — Vou ser bem claro, eu... — É interrompido novamente.

— Eu nunca mais vou ver tua mulher! Eu te garanto e você sabe que pode confiar em mim.

— Olha só rapaz, é isso mesmo, é isso mesmo que não pode acontecer. A minha mulher anda triste, pelos cantos e nem sequer olha mais para mim. O negócio é o seguinte, vou direto ao ponto. Nada muda seu emprego, nossa amizade e o mais importante, o meu casamento. — Zósimo não entende nada.

— Como assim?

— È isso mesmo, vocês continuam, eu finjo que não sei e fica bom para todo mundo. Agora, discrição Zósimo! Discrição! Se alguém descobrir eu mato os dois! Tá ouvindo? Eu mato!

Apertam as mãos como num acordo e Zósimo vai encontrar sua pequena no lugar dito no bilhete. Rua das Camélias, 79, estava marcado às 09:00 tinha que correr para não chegar atrasado.

Geison Correia
Enviado por Geison Correia em 13/02/2007
Reeditado em 13/02/2007
Código do texto: T379619