Imagem Distorcida!

"O coração enxergou-te digno e compassivo,

O tempo revelou-te digno de compaixão."

Há 09 anos venho desenvolvendo um trabalho de ajuda e solidariedade em um bairro carente na periferia da cidade.

No decorrer desse tempo, tem surgido pessoas bem intencionadas, a ajuda que me proporcionam é fundamental para muitas vezes eu tomar novo fôlego e seguir adiante com minha meta, "NUNCA DESISTIR!"...

Este ano vivi ali uma experiência com um desfecho nada agradável, que me levou a meditar...

Conheci uma senhora com 60 anos de idade, meiga, alegre e bondosa, chegou causando grande diferença na vida dos meus amados amigos carentes (quando falo de carência é no sentido generalizado, a maior delas é a afetiva, eu creio.)

Bem, tudo que eles pediam, ela prontamente atendia... Passando a ser quase exigências...

Então a convidei para um café, conversa informal e a alertei:

-Querida, tenha cuidado para não colocá-los mal acostumados, como já dizia o adágio popular "Não dê o peixe, ensine-os a pescar."

-Não se preocupe, gosto do que faço e não vejo mal nenhum em atendê-los.

-Eu entendo... Porém, como os conheço um pouco mais que voce, devo alertar, de repente não é de tudo saudável agir dessa maneira.

Pode se tornar desgastante todo esse empenho, sem pedir algo em troca, nem mesmo um tempo maior para resolver seus problemas.

Vejo que está se sobre carregando na tentativa de agradar a todos ao mesmo tempo...

-Responda sinceramente, você está com ciúmes do meu relacionamento com eles?

-De forma alguma, preocupo-me com seu bem estar, quando abrimos demais a guarda, podemos ser levados ao sentimento de sufoco.

A conversa se encerrou ali, nunca mais tocamos no assunto, eu a os observava atentamente e tudo seguiu maravilhosamente bem durante alguns meses...

Comecei a perceber que seu interesse no trabalho começava a diminuir, algumas desculpas esfarrapadas para justificar a ausência e quando presente trazia na face certa insatisfação...

Passaram alguns dias, como ela não apareceu ás reuniões, tomei a iniciativa e telefonei.

-Boa tarde querida! como vc está?

-Estou bem!

-Estamos sentindo sua falta, ficamos preocupados com sua ausência, estamos com saudade. tudo em ordem com a saúde?

-Está tudo em ordem sim...

_Gostaria de dar-lhe um abraço, quando podemos nos encontrar?

-Vamos ao café e conversamos... Eu ligo para combinarmos.

Até logo!

-Até! Aguardo.

Depois de dias Ela de fato ligou combinando, estava abatida e amargurada.

Abracei-a com ternura, Ela nada disse, conduziu-se a uma mesa bem no fundo e assentou-se.

Após se acomodar e fazer o pedido, perguntou asperamente:

-O que voce quer de mim?

-Matar a saudade e saber o que tem feito de bom?

-Vale a pena fazer alguma coisa boa?

-Querida, o que houve, parece estar aborrecida comigo, se te fiz algo, com certeza foi involuntário, por favor

diga-me o que houve, assim poderei retratar-me.

-Eu não aguento mais ser explorada, aqueles monstros invadiram o meu mundo e entraram em minha vida, tudo que faço é insuficiente para agradá-los, sinto muito raiva em ter desperdiçado meu tempo com um bando de ignorantes, não suporto o cheiro daquele lugar, tão pouco os abraços daquela gente nojenta...etc

Fitei meus olhos profundamente nos seus e permaneci muda, faltava palavras, reação, fiquei perplexa com a explosão daquela senhora, a qual meu coração havia enxergado digna e compassiva.

Ela escondeu o rosto entre as mãos e desabou a chorar convulsivamente.

Dei-lhe um copo de água com açúcar, substitui o pedido do café por chá de ervas...

Quando havia se acalmado, segurei carinhosamente as suas mãos, falei baixo e docemente, quase um sussurro:

-Querida! O que disse é apenas um desabafo, não é mesmo?

-Nunca falei tão serio em toda a minha vida.É assim que os vejo.

-Perdoe-me pelo que vou lhe dizer, mas, voce está invertendo a posição dos fatos...

Meus amigos, que tanto amo, não são monstros, são mil vezes mais humanos e melhores do que nós.

Foi voce quem invadiu o mundinho deles, também entrou em suas vidas, sem o devido respeito como pessoas.

Não deu ouvidos quando tentei orientá-la quanto ao tratamento e auxilio.

Nosso tempo nunca é perdido, quando o usamos com compaixão e, sobretudo com amor.

Ser pobre não é doença que cheira mal, humildade não significa ignorância.

Os abraços mais sinceros que recebi até hoje, veio dos braços daquelas pessoas que amam incondicionalmente.

Sinto muita pena de voce minha amiga...

-Pois bem, fique com eles, eu não quero vê-la nunca mais na minha frente, tanto nessa vida quanto na outra...

Jogou o dinheiro em cima da mesa, não queria ter o desprazer em ter uma conta paga por mim, saiu rapidamente sem olhar para trás,

Tomei vagarosamente meu chá, ainda pasma com a lamentável revelação, enfim, conclui...

"O coração enxergou-te digno e compassivo,

O tempo revelou-te digno de compaixão."

Luzia Ditzz.

Campinas, 24 de julho de 2012.