MARIA ARCANJA - (Uma guerreira brasileira)

À MEMÓRIA DE MINHA INESQUECÍVEL MÃE



Essa história começou no povoado de Ribeirãozinho, no estado do Maranhão. Maria e Mariano eram casados a mais de vinte anos, eles tinham sete filhos. Era um casal simples e levava a vida de maneira bem humilde. Mariano tinha um pequeno boteco e dali tirava o sustento da casa, mas ele também fazia algumas plantações em roças para complementar o sustento da família.
Mas a relação do casal já não estava tão boa. Já não existia mais o amor de antes ou pelo menos a maior afinidade do inicio do casamento. E por esse motivo Maria decidiu tomar uma decisão que ela já vinha maquinando em sua cabeça há bastante tempo. Então se aproximou do marido certo dia e decidida disse:
_ Eu vou embora! Vou me separar de tu.
A decisão que Maria tomou não surtiu grande efeito em Mariano, ele parecia já esperar tal atitude da esposa e calmamente disse:
_ Você que sabe muié. A vida é tua.

*

Maria partiu com cinco dos sete filhos, encima de um caminhão. Não carregava muita coisa, pois não havia muito que levar, mas levava consigo a força de uma mulher que queria vencer sem nenhum medo de fracassar, pois para ela o fracasso era continuar levando aquela vida infeliz ao lado de Mariano.
Maria teve uma infância dura. Perdeu a mãe ainda criança. O pai não muito se importava com ela. Foi criada pelos tios. Mas Maria era corajosa e determinada e assim os obstáculos, ela ia sempre vencendo. Cresceu e casou-se com Mariano, de certo, um casamento meio arrumado, nada de paixão, amor. Era apenas uma relação, parecida com um negocio, vidas juntadas, parir filhos, construir um lar. Mas vinte anos se passaram e Maria tornou-se mais forte, mais determinada e decidida do que era antes e agora seguia estrada adentro em destino à outra cidade, num outro estado com cinco filhos para criar sozinha.

*

A cidade de Tocantinopólis no Tocantins a recebeu. Alguns conhecidos a apoiaram, acharam os seus argumentos convincentes. Mas o que iria fazer Maria para sustentar a si e os cinco filhos famintos?
Maria era trabalhadeira, não tinha medo de nenhum trabalho e ia se virando como podia para alimentar os seus filhos. Um conhecido a informou sobre a beira de um rio, lugar de ninguém, passagem de transeuntes para o outro lado do rio. Podia ali Maria se alojar e fazer algum dinheiro.
Uma barraca foi erguida. Bolos e frutas passaram a ser vendidos. A clientela foi aumentando. Os filhos iam crescendo. Maria ia conseguindo.
Um compadre surgiu em determinada tarde, vinha da antiga cidade de Maria, mas não trazia nada o mais do que apenas noticias de Mariano:
_ Ele está pensando em casar novamente cumade.
_ Que essa coitada tenha mais sorte do que eu! Mais me diz cumpade, ele mandou alguma coisa pras criança?
_ Por mim não, cumade!
- Já imaginava home. Aquele ali é duro que nem pau. Deixa que me viro por aqui. Deus a de continuar me ajudando.
Maria perguntou por perguntar, já sabia a resposta que ouviria, sabia que o pão durismo de seu ex-marido não havia mudado. Olhou para as suas crianças barrigudas que corriam na areia e sentiu-se feliz por estarem bem alimentados.

*

As vendas dos bolos de tapioca e mandioca e das frutas iam bem, mas eis que surge algo inesperado na vida de Maria. No ano de 1980 o inverno foi mais rigoroso que os anteriores. A casinha de Maria ficou por água abaixo, ou melhor, água acima. Só restou um pedacinho do teto do lado de fora depois que a enchente passou, o restante estava coberto com a areia do rio.
Maria colocou as mãos na cabeça e chorou. Logo depois ergueu os olhos e decidiu continuar, a casa ela iria reconstruir.
No começo da restauração da casa de Maria, eis que surge um fiscal da prefeitura que veio lhe informar:
_ A senhora está proibida de construir novamente uma casa nesta área. Este local é da prefeitura. Procure outro lugar para morar.
_ Mas aonde eu vou morar moço, essa é a única casa que tenho?
_ Isso é problema seu.
Ouve um novo momento de desespero na vida de Maria, mas tinha que continuar. Com os filhos ao seu redor, contemplou com lágrimas nos olhos, sua ex-casinha.
Mas Maria era mulher amável, mulher que transbordava confiança e garra de quem não amolece com os acontecidos da vida. Desse modo, correu aos conhecidos e amigos na busca de solução para seu problema. Um amigo que havia garimpado na “Serra Pelada” cedeu sua antiga casinha para ela morar e, assim Maria não ficou na rua. Arrumou umas lavagens de roupas para sobreviver e continuou a fazer os bolos para as crianças venderem na rua. Porém a coisa não ia muito bem e Maria precisava arrumar outra forma de subsistência.
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Com os filhos sobre outro caminhão, Maria seguia em direção a Ananás no Tocantins. Soube que lá podia trabalhar na agricultura. Os dois filhos mais velhos já podiam a ajudar na lavoura. E, assim foi Maria mais uma vez carregada de esperança em busca de sua liberdade.
Lugar de poucos conhecidos para Maria, mas nunca foi mulher de ficar parada esperando a morte chegar. Correu nas informações dos proprietários de roças. Era época de colheita de arroz. Queria trabalhar. Logo arrumou uma colheita e para lá se mandou com os três filhos, pois a filha havia arrumado um emprego na cidade e um dos filhos havia retornado para a casa do pai no maranhão.
A colheita que Maria fez com os filhos foi farta e assim pode matar a fome de todos e construir uma nova casinha de pau a pique para morar com as crianças. A vida seguia e Maria ia acrescentando seu núcleo de conhecidos, desse modo, logo que havia uma colheita, logo era informada, e para lá ia ela carregando os filhos. Quando voltavam, vinha de tudo nos lombos dos burros de cargas; arroz, farinha, tapioca, puba, feijão, azeite de coco, sabão caseiro, etc...
Mas Maria viva sozinha sem um homem para distrair. Foi quando de repente surgiu um negão e Maria se engraçou. O homem tinha o estilo de macumbeiro e começaram a se entender. No entanto, as crianças não aprovaram a união, ameaçando abandoná-la para irem morar com o pai. A Maria mãe, não suportou perder os filhos de vista e desse modo mandou que o tal negão fosse embora, pois não deixava suas crias por nada. Assim Maria seguia a vida sempre na labuta e na cuida dos filhos que tanto amava.

*
Uns três anos se passaram e Maria já não estava tão satisfeita na cidade. Os parentes estavam distantes, as coisas estavam difíceis. Decidiu que ia voltar para a cidade de Tocantinopolis e, logo jogou novamente as coisas dentro de outro caminhão e carregou os filhos de volta.
O tempo não cessa. A vida corre como água do rio que nunca pára. Maria arrumou novamente algumas roupas para lavar e se jogou nos cocais na quebra de coco babaçu para vender e fazer azeite, sabão e carvão. Porém nesta cidade a coisa não estava tão bem. Foi quando entrou em contato com um tio que possuía uma fazendo no Maranhão, que garantia que as terras por lá eram boas para agricultura.

*

Não demorou, Maria seguia em cima de outro caminhão com os quatro filhos rumo à fazenda do seu tio Joaquim. Lá, logo fez uma barraquinha e foi morar com os filhotes. Em seguida veio às plantações e depois a colheita dos legumes para o sustento da família. E, nos dias de forró, Maria colocava seu melhor vestido para descarregar o peso da vida. Tomava umas pequenas doses de cachaça e dançava até o dia amanhecer, naqueles sertões de final de mundo.
Mas o tempo passava e Maria já não tinha tanta força para a labuta na roça, devido à idade avançada. Maria conseguiu finalmente se aposentar na cidade de Montes Altos - Ma, mediante dar quase todo o rendimento de seus primeiros salários para o negociante facilitador da aposentadoria.
Agora, ganhando um salário mínimo por mês era mais fácil enfrentar a difícil arte de viver a mercê de um governo que nunca olha para as populações menos desfavorecidas que vivem espalhados nestas cidadelas e sertões por todo o país ou mesmo nas favelas das grandes cidades. Mas Maria se sentia mulher guerreira, forte e se orgulhava de nunca ter dado nenhuma de suas crias. Orgulhava-se dos filhos homens que surgiam e que agora já trabalhavam pelas redondezas para ajudá-la nas despesas.
O tempo correu e seus filhos ganharam caminhos diferentes. Aquela mulher forte aos poucos foi ficando sem os garotos que a acompanhavam sempre. Ocorreu o natural; Cada um queria conquistar seu próprio espaço no mundo. Maria agora só estava com a sua moça e seu filho mais novo, que também sonhava estudar, para ser alguém na vida. Então partiu o seu caçula para a casa do pai, para aprender as lições da escola. Foi um chororó só a separação e Maria aos poucos ficava sem seus filhos que não a deixaram casar novamente, mas que agora a deixavam sozinha na vida.

*

Sozinha, Maria não queria mais ficar morando no sertão. Então decidiu mudar para a cidade, para próximo dos filhos casados e dos antigos amigos. Com o salário que tinha, podia se manter por lá.
Conseguiu construir mais uma casinha e lá pode morar com o filho caçula e com o neto, que era o xodó dela.
Corre-se o tempo e a vida vai se derretendo e se proliferando. Veio as noras, genro, netos. Também teve que lhe dar com a morte de um dos filhos, uma dor profunda para uma mulher já frágil pela idade. Maria ia aumentando seus cabelos brancos, suas rugas e sua memória já não era aquela de antes.
Foi agarrada por um câncer de útero que não mais a deixou saudável. A procura pela cura não solucionou o malefício e Maria certo dia não mais resistiu e partiu.
Agora um caminhão levava Maria para sua ultima morada. Mas Maria jamais deixará de ser aquela Maria forte e guerreira. A Maria que nunca cedeu diante da vida. Enfrentou com garra o dia a dia para levar uma vida digna de mulher analfabeta, mas que sempre soube entrar e sair e preservou seus valores até seus últimos dias de vida.

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Essa senhora brasileira chamada Maria Arcanja, continua permeando o universo. Continua pulando de geração em geração, pois seu sangue continua vivo nas veias de seus inúmeros descendentes...





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Valdon Nez
Enviado por Valdon Nez em 03/08/2012
Reeditado em 21/08/2012
Código do texto: T3811353
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