AMOR DE VITRINE

– Você me sufoca!

Ela só disse essa frase. Nada mais. Ele até que tentou resolveu o conflito. Esse seu lado conciliador sempre a deixava exasperada. Já bastava; cada um que seguisse seu caminho. Cinco anos de brigas, poucos momentos de amor. Felizes foram apenas os dois dias de inverno passados em Campos do Jordão. Ele até comeu fundie (ele que detestava fundie!), apenas para fazê-la feliz (ela adorava fundie). Naquele hotel colonial, o ar frio da cidade com jeito europeu, aquele clima de riqueza cheirando a primeiro mundo, sim, foram seus únicos momentos plenamente felizes. Os demais, cobranças, desencontros, desconfianças, mágoas mal escondidas sob os lençóis. Largara a faculdade de Letras para ficar com ela, as noites no sofá zapeando os canais da TV paga, vez em quando um filme legal os aproximava, até se abraçavam. Ele se recordava de um beijo dado por ela, o hálito com gosto de cravo mascado. Foi capaz de jurar que o beijo era de amor.

– Não me detenha!

Econômica nas palavras. Mas que efeito produzem! E iria partir assim, de uma hora para outra, levando nas malas o punhado de roupas e a vida não acontecida? E a culpa, ficaria nas costas de quem? Quando se mata uma relação amorosa, uma das partes deve ser responsabilizada. Quando um crime é consumado, existe um criminoso que ou confessa o crime ou, após investigado, é encontrado e condenado. Ela lhe devia a graduação em Letras, deixada no passado por causa de um amor sonhado, mas não acontecido. Ele lhe devia os cincos anos de um amor não germinado, plantado em abrolhos e cujas raízes não lograram atingir terra firme.

Ele folheava a última edição da “Piauí”. Conseguira ler um dos primeiros artigos, mas, a partir da terceira página, se desconcentrou na leitura. Lia mecanicamente, tentava envolver a mente nessa atividade para ver se espantava o fantasma do amor que não houve. Mas ler sem prestar atenção nunca foi um bom programa, o tempo parece que propositalmente não passa, as horas se arrastam e dão a impressão de que o tempo, ao invés de ir para a frente, volta para trás, ao passado, trazendo à tona, novamente, e a cada instante, o amargo na boca, a tristeza, a decepção pelo fracasso de uma relação amorosa que nasceu natimorta.

– Não me procure!

Dois estranhos. Sessenta meses que se perderam nos desvãos de um amor de vitrine de shopping – muito lindo por fora, mas insípido por dentro. Parou na primeira loja que viu. Escolheu uma blusinha que a atendente disse que gostara e que usaria com toda a certeza se o presente fosse para ela. Nos cinco anos de vida em comum não conheceu os gostos e as preferências da mulher que tentou amar. Pediu à moça que embrulhasse para presente e que caprichasse no laço da fita. Se pudesse também colocar um cartão “de/para” ficaria melhor o embrulho, ela talvez gostasse da “surpresa”.

– Até um dia! – foi a última frase que ela disse.

Chegara esse dia. Ele estava ali em frente ao prédio onde a mãe dela disse que ela estava morando. Ele e o pacote de presente debaixo do braço. Caía uma chuva fininha, dessas de inverno, que não molha o corpo, mas umedece a alma. Ele tocou a campainha. “Estou aqui para nos darmos uma segunda chance”. Ele ensaiou mentalmente a frase que diria quando ela abrisse a porta. Apertou uma vez a campainha. Esperou. Apertou uma segunda vez. Percebeu o som de uma música romântica do outro lado da porta. E então a porta se abriu.

– Amor! Tem um cara aqui que deseja falar com você! – bradou para ela o rapaz bem afeiçoado, em roupas mínimas, que abriu a porta.