O vento e o cata-vento.

Um dia, um sábio que há muito vivia em uma montanha distante chamou seu jovem aprendiz e apontou para o horizonte:

“Veja aquele cata-vento naquela torre! Veja como ele gira magnificamente, em perfeita harmonia com o vento, sincronizados como se em alguns momentos até pudéssemos dizer-lhes serem um só! E o cata-vento está ali, sempre ali, esperando seu amigo vento, para girar, para brincar, para “ser” simplesmente. Mas existem dias em que o vento, por outros interesses, resolve soprar em outra direção, deixando seu amigo cata-vento no esquecimento, por dias, semanas e até meses. O interessante é que mesmo assim, o cata-vento continua esperando-o e quando este retorna, como se nada houvesse acontecido, o cata-vento se põe a girar novamente, radiante, faceiro, sem questionamentos, sem cobranças, abraçando-o e embalando-o”.

O jovem aprendiz então comentou com seu mestre: “Mas sábio, que existência infeliz essa, viver esperando a presença do vento, sendo abandonado de tempo em tempo e silenciosamente aceitando a volta egoísta deste. Que destino infeliz!”

O sábio meneou a cabeça e respondeu ao jovem: “Sim, triste destino, mas não somente a solidão pode ser o pior a acontecer na existência do cata-vento. Ás vezes, aborrecido por outras contingências o vento retorna com uma fúria, uma violência tão imensa, que se arremessa contra o cata-vento, arrancando suas pás, destruindo-o fisicamente. E mesmo assim o que sobra do cata-vento continua lá, de forma abnegada esperando que com a primavera seu amigo vento retorne, mantendo pelo menos uma de suas pás, meio torta pronta para brincar, pronta para girar ao mais leve e efêmero contato, perdoando o maltrato.”

Dessa vez o aprendiz, com uma profunda indignação nos olhos desabafou ao mestre: “Mas esse cata-vento é realmente um miserável! Que existência trágica! Deixar-se assim ser impelido por uma força que certamente não o considera e que sobreviverá a este, mesmo após causar sua destruição. Pois livre como é o vento buscará outros cata-ventos com quem brincar e destratar, num eterno círculo vicioso! Porque afinal o cata-vento é prisioneiro do vento e vive uma relação de flagelação! Isso é realmente revoltante!”

O sábio então coçou a ponta do nariz e disse: “Sim, jovenzinho, estás certo em 90% do que dissestes, só esquecestes uma coisa...”

O jovem com olhar inquieto não o entendeu e quis saber: “O que mestre? O que esqueci?”

O sábio olhou para seu aprendiz e lhe disse com uma serenidade convicta: “Ambos são amigos, entretanto, existem formas diferentes de se viver uma amizade. O vento não age dessa forma por maldade, ele apenas impõe seu ritmo de natureza. O cata-vento aceita não somente porque seja prisioneiro naquela torre de pedra, mas, sobretudo porque condicionou sua existência a uma retribuição desigual. E faz dos momentos felizes, momentos eternos, mesmo que estes tenham uma curta durabilidade. No mundo humano, as pessoas também são assim, umas doam-se mais, outras recebem mais. A troca raramente é justa ou equilibrada em uma amizade, pois existem personalidades e pensamentos diferentes. Por isso, tantos magoam e tantos são magoados. E ao final, com o passar do tempo os cata-ventos desaparecem e vento permanece: forte, intenso, majestoso, mas solitário.”