Embriaguez

Bebo todo dia. É um alcoolismo que me alimenta nesse mundo que só é possível pela embriaguez. Baco me sustenta cada vez que desperto, para que possa voltar a sonhar, mesmo acordado. O que são essas pessoas que fingem ter significado, senão sombras que hoje aparecem e amanhã serão engolidas por um anoitecer. O gole da bebida que é sorvida e absorvida dentro do organismo ávido pelo entorpecente. Solto um sorriso estranho, psicótico, cheio de exageros faciais que encantam dentro da farsa vivida. Eu trepo, cavalgando uma montaria de sexo que irá liberar o gozo aprisionado, que demora ejacular. Até as pancadas são amortecidas pelo estado lânguido dos sentidos. Algumas vezes, ao tentar falar, vomito, expelindo aquela água com aroma de álcool, que enoja que contempla o patético espetáculo.

Deito debaixo do chuveiro, deixando a água cair sobre a fronte cabisbaixa. Saindo nu, mal enxugado, cambaleando até a cama, jogando-se em cima do colchão mole que faz quase golfar. O teto se move, pareço estar a bordo de um navio, oi que justifica a náusea. Por falta de companhia, xingo os móveis, humilho eu mesmo. A urina sai espumante e o som da descarga aumenta a dor de cabeça. Queria em uma tragada absorver esses objetos duros, que me afrontam cada vez que tento caminhar. Se colocam em meu caminho, me fazendo topar e até cair por consequência da batida. Que incrível seria, beber uma cadeira inteira, deixando que ela se assentasse dentro de mim, quem sabe sorver alguns discos, poderia ter uma orquestra tocando meus intestinos. Na falta de amolecer o sólido, o despedaço enfurecido, com socos que espatifam e chutes que trincam.

Sento e choro, bebendo a lágrima que escorre, feito um soro tolo. Os beijos que recebi eram de vinho, me recordo dos mais saborosos. Embora alguns me sufocassem, como uma dose exagerada de tequila. Enfio o pênis no copo e balanço para misturar o coquetel. Se alguém me chupasse, sentiria esse sabor de drink. Na sarjeta eu abraço o mendigo com orgulho, ambos somos irmãos de gole, compartilhando os restos de uma garrafa esquecida. Faltaram as pedras de gelo nesse whisky barato. É uma experiência e tanto, ler Dostoiévski em estado de embriaguez. Não penso em crime, muito menos em castigo, já que me falta consciência. No fundo eu tenho noção, e por isso não chego ao trago fatal, paro depois do que devia e antes do que me destruiria. Dia e noite não passam de momentos sem importância, já que posso dormir cedo e caminhar errante pelas madrugadas. Esses olhares de piedade sobre mim, não passam de inveja dos que vivem sua mediocridade, sem conseguir se desvencilhar dessa rotina chata.

Um brinde a nossa sociedade, que é arrogante, ainda que decadente. A vista fica turva e a cabeça pesada. Escoro nas paredes de chapisco, desfiando a camisa mal passada. Quase bebo da poça de água, feito um cão. Este fiel amigo que vem me lamber a face, consolando-me e ignorando o hálito. Na carteira, nenhum documento, já que a identidade pouco importa na falta de dignidade. Que possa dormir sem surras de vândalos e nem de policiais. Espero que nenhum religioso venha com essa ladainha de salvação. O chão nem parece tão duro, sinto até uma brisa suave, usando um papelão como proteção para o corpo encolhido. Sei que aquilo próximo ao bueiro é uma moeda, mas me sinto exausto para ir buscá-la, que seja a sorte para outro observador. A barriga dói de fome, mas o sono é pesado e logo desmaio. Aqui a luz do sol vai demorar a chegar, me deixando dormir por mais tempo. Esse cheiro de lixo me recorda a infância. Fecho os olhos e consigo dormir.

Bruno Azevedo
Enviado por Bruno Azevedo em 19/08/2012
Código do texto: T3838041
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