O Futuro Presidente da República do Brasil

6:00 h da manhã soou a voz dela da cozinha para o quarto dele:-Você se recorda do quartinho no fundo da rua, la no Alto das Pombas? A rua de ladeira íngrime, mais de 300 m para subir ou descer?

Indagava, com o olhar nos pães - passava a manteiga.

- Eu lembro...impossível esquecer.

- Você gostava de morar la?

Perguntou, com voz mais firme, a mão na cintura, segurando a faca grande de serra. O olhar dirigido para ele, para o seu corpo esguio e magro. Estava sem a camisa, estava sentado na cama, os pés por cima das sandálias, sem calçá-las - pois, o chão estava frio.

- O seu silêncio ja me diz tudo. Lembra-se do café preto com pão sem o leite?

Ela sabia que essas perguntas o deixavam irritado. Ergueu-se da cama, de forma abrupta e foi ao banheiro. Nem percebeu que a porta que havia encostado havia corrido, recuando e ficou exposto para ela urinando no vaso.

- Mocinho, feche a porta, você ja não é mais tão criança. Ja percebeu o tamanho que ta ficando o seu pigulino?

Ele nada respondeu, bateu a porta de forma furiosa, e pensou, com ira, assim: " é bom mesmo, é bem capaz de querer me tarar".

As mudanças foram radicais, de forma abrupta. Não entendia como a sua vida pôde ter dado passos tão largos. Saíra de um bairro perigoso, infecto pelos traficantes, quadrilhas. O povo pobre, feio e sofrido. Não havia o dinheiro para o leite - tomava café preto. Tinha o pão, mas não tinha o dinheiro para a manteiga. Pensara em desistir de ir à escola, pois, tinha que andar longa distância - não havia encontrado uma vaga numa escola próxima de sua residência.

- O carro vai chegar logo. Ja passei a sua farda. Adiante o banho e venha tomar o café, ta escutando?

Agora tinha uma van escolar que o levava e o trazia de volta para casa. As humilhações se acabaram entre os vizinhos - recordou-se da vez que fazeram chacota dele por usar um tênnis sem valor, falsificado, comprado na feira de São Joaquim. Sua mãe resolveu a questão, quando se mudaram. As compras foram feitas num Shopping grande, numa grande loja de departamento. As camisas, as bermudas, cuecas, sandálias e os tennis.

Mudanças radicais. Estava feliz, bastante feliz. Agradecia á deus todos os dias por, enfim, ter se lembrado deles - uma mãe sozinha que criava o filho.

Até que naquele dia, com insônia, pôs-se a mexer nas gavetas dela, uma curiosidade que lhe custou caro. Havia encontrado um diário, então o seu mundo ruiu.

Seria verdadeiro aqueles relatos, ali, ou apenas fruto de imaginação fértil? - Indagava-se. " Parece tão real, é real, ela é, ela faz, sim..."

- Eu quero que me entenda, cansei de te ver sofrer, acha que é fácil para mim, acha que eu gosto, que faço por diversão?

O silêncio dele dizia tudo.

Ela com a sua sabedoria de mãe, também silenciou, sabia que depois poderia contar com a sua compreensão.

A van buzinava la fora, chamando-o para a escola. Ele engoliu com pressa o café-com-leite, e se dirigia correndo para a porta.

- Ei, mocinho, venha ca...

Ele retornou e deu um beijo ligeiro na sua face.

Ela ficou na porta observando-o entrar na van e seguir para a escola. O boletim escolar rezava boas notas e bom comportamento.

"Ele vai ser um grande homem, vai ser o prefeito desta cidade, quem sabe, o governador... futuro presidente da República do Brasil".

Voltou á mesa, tomava o seu café, acariciava com um dos dedos a seu boletim escolar.

Leônidas Grego
Enviado por Leônidas Grego em 29/08/2012
Reeditado em 29/08/2012
Código do texto: T3855574
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