Estar Vivo

Pulsando em cada ritmo compassado cardíaco, que aflora na medição de dedos que tocam a pele sensível, que ressalta conforme as batidas de um tamborete arterial. O tato é essa ânsia de degustar o toque, que faz com que deslizemos pela superfície do maior órgão que temos, que de tão grande, abraço-nos em um sufocamento claustrofóbico. Raspando com a unha obliquamente cortada, os pelos espessos, insinuantes, que formam um cerrado que se acredita muito explorado, mas que não passa de ilusão. Nem mesmo o vento consegue espantar esse mato molhado, que gruda como se fosse um apego dramático, colado por estar encharcado. O que balança é o corpo, comprometido com uma severa gravidade, que faz o sujeito pender de si, caindo do alto de sua constituição, mas não despedaçando-se, já que fita o abismo e volta, em um band jump.

Já consigo respirar, mesmo que sufocado. O hálito é um vômito aéreo que expele essa fragrância ressentida, após termos absorvido essa porção de oxigênio que nos condiciona a buscar a cada instante, uma nova tragada. Viciados em viver, desde que nascemos, por uma necessidade biológica, que impele a ir adiante, mesmo que os percalços sejam de uma solidez quase insolúvel. Mais um pouco de ar, antes que a boca seque, fazendo da língua, uma lâmina de carne que fere, açoitando toda a cavidade bucal. Os dentes são persianas, que fechados, apresentam vãos, onde bactérias se insinuam, deixando cada sorriso, banguela. Respirar é morrer a cada segundo, pois a falta está lá, ainda que possamos resistir aos curtos intervalos. No fim da vida, mais do que as rápidas fugas de um palco, temos a ausência completa, o fim, não do ato, mas do espetáculo.

Acumulo a saliva, que enche a boca, sem esvaziar em forte cuspida. Os pulmões enchem de ar, mas é um preenchimento tão vazio. Talvez seja esse o motivo de escapar de mim mesmo em cada esquina deserta. Não me beija, mas toma um pouco dessa minha anima. Não estou doente. Eu sou doente. Como todos os que se dizem sãos. Mais um drinque, dessa taça rústica que abriga a vida, já que a embriaguez é a grande dádiva dos caminhantes. Que seguem o caminho já sabendo do destino, enlouquecidos pelas novidades que as margens da estrada revelam. Por isso a incerteza, promove essa postura de estátua, feito uma obra de Rodin, mas com o dedo sugado pelos lábios, que na busca pelas origens, repete o gesto de amamentar, sendo que o vício faz das falanges, espécies de cigarros lentamente consumidos, apagados como a chama da essência que se extingue.

Sendo cego, beijo as imagens com os ouvidos, recebendo os sons que fazem de meus tímpanos uma percussão sofisticada, que vibra, além do tato. O mundo sempre se fazendo novo, enquanto envelheço por todo o corpo, acumulando não as glórias, mas sim os gemidos. Por estar oco, sinto o vento que assopra, explorando minhas cavidades, silvando. Os órgãos balançam, como se fossem galhos de árvores açoitados pela fúria da tempestade, embora os meus sejam menos propícios ao estalo da quebradura. A sensação da possibilidade de partir, é um desespero inigualável, já que te faz sempre gelar sem sentir frio. Nuvens se formam próximo a caixa torácica, só que o temporal desaba por dentro, vez ou outra manifestando fora um transbordamento de lágrimas, que é rio de águas salgadas e imprevistas, ora furiosas, ora serenas. Um trovão, sai em forma de tosse, rugindo com gravidade.

Ando só um passo por dia, apesar de ter duas pernas, parecendo circular, em uma espécie de redemoinho. Conseguindo chorar pelas narinas, que não passam de cavernas úmidas, interligando minhas fontes orais. É amargo o fato de não sentir gosto. Ontem eu tinha memória, hoje estou resignado ao ato que mutila minhas impressões, tornando-me mecânico e repetido, além de repartido. Muitos são os cadáveres que produzo, causando forte odor, que chega a me nausear. Não posso recolher minhas mortalhas, por estar sempre produzindo novas, além de contribuir com a desolação desse solo de vasto pasto. Arrepio por conveniência, já que não convém o agrado do toque sutil, muito menos as intempéries, que há muito se encontram enclausuradas nessa masmorra chamada EU.

Bruno Azevedo
Enviado por Bruno Azevedo em 28/09/2012
Código do texto: T3905582
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