Uma criança negra

Há muito tempo atrás eu andava pelas ruas de Belo Horizonte, com meus 9, 10 anos com minha mãe, entre médicos e dentistas conhecia alguns cantos de daqui, sempre com aquela admiração de quem vive entre casa/escola/casa de parentes, e começa a ver o mundo real diante dos olhos.

Nas proximidades do centro, esperando para atravessar, vi uma criança, era negra, a roupa suja, sentada perto da mãe pedinte, tinha a minha idade e parecia assustada. A observei, virando o pescoço enquanto atravessava a rua. Resolvendo o que tinha para resolver fui para casa. Aquela criança, tinha uma mancha de um dos lados do pescoço, um marca que a diferenciava, mas agora sei, que poucas coisas no centro seriam menos notadas que ela.

Hoje, já se passaram mais de 15 anos, não moro bem BH mais, mas venho visitar a família de tempos em tempos, raramente vou ao centro, pois com o crescimento de shopping e centros de compras nos bairros isso se tornou desnecessário. Soube de uma opera no Palácio das Artes, achei uma boa ideia levar minha mão para assistir. Muito bem arrumadas fomos rumos àquela expressão magnífica da capacidade criativa humana, promovendo uma experiência única de deslumbre. Vozes, o teatro, a beleza do cenário, saindo de lá extasiadas conversávamos, fomos interrompidas por uma mulher pedindo dinheiro, suja, com aparência de usuária de crack estendeu a mão de dedos escuros, um cheiro tão ruim no corpo que chegava a dar ânsias, peguei algum dinheiro e a entreguei. Enquanto minha mãe reclamava do absurdo, notei quando ela se virou a macha escura no pescoço, que não era sujeira, não era uma cicatriz, mas a mesma mancha que tempos atrás vi em uma criança, como eu, então me pesou o coração e me perguntei, o que tenho feito em prol do próximo, se o entretenimento tem me alienado em relação ao sofrimentos de pessoas, que como eu, vivem, sonham e tem direito a dignidade.

T Sophie
Enviado por T Sophie em 21/10/2012
Reeditado em 29/10/2012
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