Último dia

Era seu último dia naquele emprego.

Fazia cinco anos desde que deixara sua Angela e o filho, há pouco colocado dentro da mãe.

-Eu vou pra São Paulo e você fica. A gente noiva agora e depois casa. - Foi o que prometeu na rodoviária, beijando sua mão adornada pelo anel dourado, na última vez em que a viu. E agora ia cumprir a promessa.

Tinha saudade de casa. Não dos parentes, que, certeza, nem se lembravam mais dele, mas da sua terra como um todo, porque a cidade não era seu lugar. Muita gente e tão pouca conversa, era mais solitário ali do que... não sei, era solidão demais pra comparar. Foi pro restaurante onde trabalhava de garçom com essa ideia na cabeça.

-Hoje é me último dia nesse emprego.

-Ah é, Zé? - Um colega perguntou, enquanto se trocavam, no pequeno vestiário dos funcionários - Foi promovido, é? - Ele riu da própria piada.

-Não, João, que nada. Tô indo embora. Já juntei o dinheiro pra comprar um pedaço de terra por lá e tô com a passagem aqui - Respondeu, enquanto balançava seu bilhete orgulhosamente na cara do amigo. - Eu prometi pra Angela que voltava, e agora eu vou voltar. Além de que tá muito ruim aqui. Não sou nada pra ninguém aqui.

Dessa vez, o outro gargalhou.

-Ah, e 'cê queria o quê, homem?

Zé trabalhou o dia inteiro pensando na conversa com o colega. Entre um executivo na mesa 14 e um à moda da casa na 26, ele imaginou se os clientes se lembrariam dele, se se interessavam pelo que ele tinha a dizer, ou tudo que esperavam dele era só um "bom apetite". Ou, quem sabe, nem isso. E a Angela, será que ainda se interessava? Mas e aquele sorriso, aqueles sussurros no pé do ouvido... Claro que sim, besta, claro que ela ainda se interessa.

Lá pras nove da noite, entrou um casal no restaurante. Conversaram por horas, até que o rapaz levantou o braço. Era a sua chance. Zé já tinha começado a dizer o "pois não, senhor?", quando pôde ouvir:

-A gente veio aqui pra noivar.

A lembrança do seu amor pela própria noiva o visitou pela segunda ou terceira vez no dia. Zé quase pôde, então, sentir o perfume que ela usara naquele dia, na rodoviária. Respirou fundo e disse:

-Ah, mas isso é um pedido de casamento? Então temos que comemorar!

Foi até o gerente, explicou rapidamente a situação e pegou um champanhe, que deixou em cima da mesa com um sorriso e falando que era cortesia da casa. Nunca o homem ouvira tantos agradecimentos e bênçãos como naquele momento.

Pelo resto da noite, um sentimento de estar completo o tomou, e, por algum tempo, Zé até pensou que aquilo bastaria para sempre, que voltar era desnecessário. Que, no meio da solidão, ter feito parte daquilo seria sua companhia.

Mas foi passando.

Ele foi ao vestiário, se trocou e separou o dinheiro do ônibus. Antes de partir, foi à sala do chefe.

-Seu Dante, vou voltar pra minha casa.

-Mas já? - Perguntou o gerente, sem parar de mexer nos documentos sobre a mesa.

-Já sim, Seu Dante, já deu.

-Então tá certo, José. Boa sorte! Deposito seu salário amanhã.

-'Brigado! Deus abençoe.

Saiu do prédio onde ficava o restaurante e caminhou, quase que triunfante, até a rua. Reparou nas pessoas, na avenida... Continuou caminhando. Voltaria pra Angela porque seu dever ali já fora cumprido.

Ouviu então um grito, uma buzina e então olhou pro lado. Uma luz cegante foi tudo o que pôde enxergar.

Então era isso, era seu último dia naquele emprego.

emilylibanio
Enviado por emilylibanio em 24/10/2012
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