Correspondência
 
                                                                 A memória de Mário
 

Cláudio vivia numa pequena cidadezinha no norte do país, no ano de 1994. Um jovem muito sonhador que sempre gostou de escrever e ler. Não lia apenas um gênero literário, nem tampouco autores específicos, o mais importante era entrar nos enredos dos romances de corpo e alma; era a maneira que encontrava para vivenciar outras vidas, fantasiar-se nas diversas fugas que os personagens fictícios possibilitavam-no. Cláudio não tinha dinheiro para comprar livros, então recorria aos empréstimos na biblioteca da cidade.  De tanto ler, adquiriu facilidade espontânea de passar a mensagem que queria nos traços da escrita.
Passara a corresponder-se com várias pessoas do Brasil, através do quadro “correspondência”, da “Rádio Nacional de Brasília” e de revistas especializadas. Recebia por semana uma quantidade enorme de cartas. Fez realmente vários “amigos” através das missivas. Conversava com os correspondentes sobre tudo, especialmente da necessidade de terem mais amigos. No entanto, no passar dos meses essas amizades da escrita iam perdendo o seu vigor, a força acabava diluindo-se por total, pois a distância das cidades impedia Cláudio de conhecer pessoalmente tais correspondentes. Mas, sempre insistia em novas amizades pelo correio; essa era uma forma de conversar com outras pessoas e de fazer novos amigos.
Num determinado período, começara a corresponder-se com um jovem chamado André, de outra cidade; esse mesmo André, já se correspondia com Marcos, o qual também morava na mesma cidade que Cláudio. André informou aos dois dessa coincidência argumentando a ambos se queriam se conhecer, e os mesmos concordaram com o encontro.
 
*
Certa noite, enquanto Cláudio assistia tevê em casa, alguém bateu na porta a sua procura:
- Boa noite, eu gostaria de falar com o Cláudio.
Cláudio veio atender ao chamado. Ao notar a presença do jovem rapaz a sua frente não o identificou como seu conhecido e naturalmente falou:
- Pois não?
- Oi, é que eu sou amigo do André. Ele me falou de você. – disse Marcos.
- André? – Cláudio não se lembrou do amigo correspondente.
- É! O André, um corresponde que temos em comum.
- Ah! Ah! Ah!
 
*
 
Os dois foram conversar num barzinho, em uma praça próxima e passaram a se conhecer melhor. A conversa entre ambos fluiu com grande entusiasmo. Identificaram-se de imediato e a partir dali fluía o nascimento de uma grande amizade. E não deu outra, quando deram por si, o horário havia transcorrido noite adentro. Despediram-se, prometendo se reverem já no dia seguinte para trocarem ideias em comum.
 
*
 
Os novos amigos construíram uma sincera e longa amizade onde dividiam os problemas e as alegrias do viver. Porém, Cláudio teve que mudar-se para outra cidade distante e Marcos continuou na pequena cidade, onde era professor. Mas os dois conversavam sempre por telefone e também via internet, e assim, mantinham a grande amizade, nascida através das cartas.
Cláudio sempre retornava a antiga cidade e quando chegava lá reencontrava o amigo; uma amizade que a distância não conseguiu apagar. Então relembravam momentos e se nutriam dos acontecimentos atuais em suas vidas.
Porém, num determinado dia do ano de 2010, ao abrir a sua caixa de e-mails, Cláudio leu a seguinte mensagem advinda de um outro amigo residente na pequena cidade:
 “Cláudio, infelizmente perdemos nosso amigo Marcos. Ele foi assassinado...”.
Foi um choque profundo para Cláudio se deparar com aquela constatação, que em seguida vasculhou mais informações do crime na internet e através de uma matéria soube que o amigo tinha sido encontrado morto no quarto de sua própria residência, amordaçado, sem roupa nenhuma, em cima da cama. A matéria postada relatava que o mesmo havia emprestado dinheiro para um suposto amigo o qual se recusava a lhe pagar o empréstimo e que a maneira que o assassino encontrou para se livrar da divida foi juntar-se com dois comparsas e aniquilar a vida de Marcos...
Algum tempo depois Cláudio retornou à sua antiga cidade e foi procurar saber mais informações do crime, através das pessoas que o conheciam, e teve acesso às minúcias do terrível acontecimento que se assemelhava mesmo com a matéria postada na internet pelo jornal que cobrira o fato policial...
Restou dentro de Cláudio a dor de se deparar com a morte tão drástica do amigo, mas também guardar na memória a lembrança e o sorriso do amigo brincalhão e afetuoso que conquistara através das cartas nos acasos da vida...
                                
Valdon Nez
Enviado por Valdon Nez em 09/11/2012
Reeditado em 11/07/2013
Código do texto: T3976854
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