Amigo , se você por acaso ler essas palavras, me perdoe os erros, estou aqui, sozinho esperando a morte,pois a vida é assim, quando tinha quinze anos fiquei só no mundo.
                  Agora fechado em um sitio, do lado de fora da porta, lideres de uma organização criminosa, decidem o meu destino.
         Não tenha pena de mim quando estiver lendo, não sou inocente, machuquei pessoas, matei, roubei, feri amigos em troca de proteção, agora meu destino está selado.
         A história que quero contar é outra, pois nem sempre fui assim...

 
        Um deslizamento de terra após um temporal matou toda a minha família, deixando vivos Guilherme (que sou eu) e avó Cida, quando ocorreu toda a tragédia eu tinha cinco anos.
 
       Minha avó, forte como a rocha, vendia bolo e junto com sua aposentadoria, ganhou dinheiro suficiente, então  construiu uma moradia de tijolo, onde por dez anos moramos felizes.
        O meu único parente vivo era a minha avó.

       Os acontecimentos que vou contar ocorrem entre o décimo quarto aniversário e o décimo quinto.
 
         -Adoro bolo de Tapioca vovó – quando a minha avó sorria e batia de leve na minha mão que já ia pegando um pedaço, ainda sinto o cheiro de leite de rosas que ela passava.
         -É para o café, seus amigos Amaro e Julia estão a caminho para tomar café aqui, essa semana é a festa da igreja, fiz para vender, sobrou um pouco para vocês.
         Ficava bobo perto de Julia, quando ela passa minhas pernas tremem, gostei de saber que estava vindo para minha casa, está sempre perfumada com medo de feder a lixo.
         Amaro era pobre, seu pai era um borracheiro, era meu amigo.
Julia o seu pai e a sua mãe catavam lixo, levavam uma vida muito difícil, às vezes a vovó ajudava, perderam tudo no deslizamento de terra.
         Foi numa brincadeira na praça que descobriram o meu jeito para o xadrez, seu Luiz da padaria me ensinou e, depois, ninguém ganhava mais de mim.
         -Que cabeça desse menino, como pega as coisas fácil – dizia o José do picolé, que vendia na porta da escola um picolé saboroso, que ele dizia ter um ingrediente secreto.
         Minha avó estava orgulhosa do neto, boas notas e muita habilidade no xadrez, joguei muitos campeonatos na cidade, era imbatível, com meu nome na boca de todos, a cidade acabou conhecida no Brasil todo, em uma reportagem nacional, “gênio do xadrez”.
         Aquele ano era a minha chance no estadual, jogaria contra os adultos, minha avó conseguiu uma bolsa, eu ganhava meio salário mínimo isso ajudava a família, meus amigos me incentivavam.
         -Isso dá algum dinheiro Gi – perguntava Julia – me ensina a jogar xadrez, assim paro de catar lixo, queria ser como você, que nasceu virado para a lua.
         -Você não fede a lixo, seu perfume é de maça – dizia tímido.
         -Acho que campeões ganham dinheiro, mas não no Brasil - disse Amaro, tinha certa inveja, pois era apaixonado por Julia também.
         Andávamos perto do lago, eu e Julia, ela queria sair dali e ajudar o pai e a mãe, Julia pensava em estudar, nisso ela era muito melhor do que eu, sempre nota dez.
         No lago, vestida de branco, ela me perguntou:
         -Você quer me beijar, Gi?
        Meu coração quase saiu pela boca, o que eu podia falar, disse de forma estúpida.
        -Claro.
        -Me diz, estou com aquele cheiro?
        -De maçã?
        -É.
        -De maçã com framboesa.
        -Você já beijou alguém? – perguntou meio preocupada.
        -Minha cachorra vale? – disse brincando
        -Falo sério, é meu primeiro beijo.
        -É o meu primeiro também, não sou muito habilidoso nisso– depois o sabor da boca dela não saiu mais do meu.
       O meu sonho: queria ser um grande campeão para tirar a minha avó do fogão, noite e dia.
        -Sua avó, é a pessoa mais bondosa do mundo – dizia Julia.
        -Ela está querendo que a gente case – disse sorrindo.
         Às vezes tinha um aperto no meu coração, ia para cama onde encontrava aquele cheiro de leite de rosas que me protegia, meu coração disparava, pois vovó tinha oitenta e três anos, para mim aquilo era muita idade, eu tinha apenas quatorze, quando o medo me pegava ficava perto dela.
         -Hoje começa o campeonato, vou de ônibus até BH – disse – a Julia e o Amaro vão comigo. – Ouvi minha avó fazer uma oração
         Ganhei uma por uma as partidas, apenas um nerd de sardas, ruivo, com óculos e cara de mal, me surpreendeu, parei nele, quase perdi, no final consegui um empate, que me levou para final, Julia e Amaro comemoraram como se fosse um jogo de futebol.
         Chequei em casa gritando.
         -Vó, vó, eu estou na final! – disse sorrindo, Julia e Amaro foram para a geladeira – ganhei estou na final.
         Minha avó, apesar de notar um sorriso nos seus lábios, estava deitada na cama respirando com dificuldade, sabia que alguma coisa estava errada com ela.
         -Julia, chama o seu Marcos – disse desequilibrado -alguma coisa errada aconteceu com minha avó.
         Ela não conseguia falar, Amaro abanava com um caderno e rezava um pai nosso, seu Marcos, vizinho de frente, era mecânico prático, estava todo sujo de graxa, foi buscar o fusca dele para levar a minha avó para o médico.
        Foi difícil colocar minha avó no banco de trás, o P.S era longe e o carro do seu Marcos estava engasgando muito, demorou a pegar.
         Fiquei na frente segurando a mão dela, nunca tinha entrado em um P.S de adulto, tudo sujo, ninguém fala nada com uma criança, seu Marcos voltou e disse.
         -Aqui não tem vaga, se quiser entrar ela vai ficar no chão.
         Eu não sabia o que falar.
         -Eu vou deixar ela aqui garoto – disse seu Marcos constrangido – eu tenho que voltar para o meu trabalho.
         -Que eu faço – disse confuso e triste – eles vão curar a minha avó?
         -Fique ai – disse pegando a minha mão – assim que puder eu volto.
         Minha avó teve um derrame, foi transferida para um hospital em Belo horizonte, depois não tive notícias, fiquei quase um dia e meio sem comida e bebendo água no bebedouro sem que ninguém me falasse nada.
         Uma assistente social, visivelmente transtornada por lidar com aquela situação me disse.
         -Você que é o Guilherme, neto da Dona Aparecida?
         -Ela melhorou? – perguntei.
         -Ela morreu – disse com uma voz melosa, como uma criança qualquer eu chorei, mas aquele choro não representava a minha dor, nenhum grito conseguiria representar o que eu sentia com a perda da minha avó.
          -Terá que ir com o conselho tutelar, depois para um abrigo de crianças órfãs. - ela pegou uma papelada e perguntou – Tem certeza que não tem um parente vivo?
         -Não.
         -Merda – disse a senhora que tinha olheiras e era gorda – desculpa garoto é que terei que ser a sua babá até ás dez, tinha um compromisso.
         -Eu vou ver a minha avó?
         -Depois de morta? – disse a assistente social – isso não é coisa para crianças.
 
 
         Agora, aqui dentro, sinto aquele cheiro de leite de rosas. Os chefões selaram o meu destino com sangue.
 
 
         A delegada terminou de ler a carta e guardou no bolso atrás do colete.
         -Gi – disse Julia – como você sobreviveu a três tiros?
        Um dos policiais chegou para a delegada Julia e perguntou.
       -Sabe quem é ele?
       -Um velho amigo – disse Julia baixando a arma -  uma vitima, deixa que eu cuido dele.
       Sozinha com o amigo falou:
       -Não disse que nasceu virado para lua.

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JJ DE SOUZA
Enviado por JJ DE SOUZA em 20/11/2012
Reeditado em 20/11/2012
Código do texto: T3995846
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